Valor Econômico, v.20, n. 4869, 30/10/2019. Política p.A6

 

Mudança na prescrição abre caminho para rever 2ª instância


Toffoli transfere para Legislativo ônus de evitar crescimento da impunidade


Por Luísa Martins, Isadora Peron, Marcelo Ribeiro e Vandson Lima

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, incluiu o Congresso Nacional na construção de uma saída que diminua o custo político da derrubada da prisão após condenação em segunda instância. Ao sugerir mudar a lei para que os prazos prescricionais parem de contar enquanto um réu recorre aos tribunais superiores, o ministro foi elogiado por deputados que costumam acusar a Corte de legislar, enquanto uma ala de senadores criticou a transferência de responsabilidade.

O julgamento sobre a execução antecipada da pena será retomado pelo plenário da Corte na quinta-feira da próxima semana, dia 7 de novembro. O placar parcial está 4 a 3 pela constitucionalidade da medida, atualmente permitida pela jurisprudência do STF, mas a tendência é de que haja uma virada.

Com os conhecidos votos dos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello (contrários à prisão antes do trânsito em julgado) e Cármen Lúcia (favorável), a atribuição de desempatar o julgamento recairá justamente sobre Toffoli. Ele tem dito que ainda não concluiu seu voto e que a sua manifestação tem um peso maior em relação às dos demais colegas: o da cadeira da presidência.

O ofício encaminhado por Toffoli ao Congresso, em que propõe uma alteração no Código Penal, fortalece a tese de que ele irá votar contra prisão após sentença de segundo grau. De acordo com auxiliares do ministro, foi a maneira que o presidente encontrou de sinalizar à sociedade que proibir a prisão antes de esgotadas todas as possibilidades de recurso não necessariamente leva à impunidade - mas que equacionar isso é a atribuição do Legislativo. Ao STF, caberia puramente interpretar a Constituição.

A iniciativa também seria um exemplo prático do “pacto nacional entre os Poderes”, forte bandeira de Toffoli desde que ele assumiu a presidência do STF, em setembro do ano passado.

Ontem, o ministro Gilmar Mendes concordou com a sugestão, apresentada para evitar que um réu se torne inimputável em razão da morosidade da Justiça. “É melhor você aprimorar o sistema legal, do que sair por aí fazendo mudanças na interpretação constitucional”, disse. “É uma questão que já está sendo discutida. E é adequada, porque é um dos problemas que normalmente ocorrem, uma das preocupações. Esse é um dos dilemas. Porque o processo chega aqui já à beira da prescrição, ou ele evolui neste sentido.”

Na Câmara, a proposta de Toffoli também foi elogiada pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa: “Vamos avaliar na CCJ e dar prosseguimento ao processo. Vamos tentar construir maioria para aprovar. Acho que é uma ideia para que se dê clareza que a intenção do Legislativo e do Supremo não é colaborar com a postergação de um julgamento contra A, B ou C. É apenas garantir o respeito à Constituição.”

Após reunião com técnicos da Câmara, o presidente da comissão, Felipe Francischini (PSL-PR), teria se mostrado disposto a ressuscitar e aperfeiçoar um texto aprovado no Senado em 2007. De autoria do ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o projeto prevê a suspensão da prescrição, após concluída a instrução, em ações penais de competência originária do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, Francischini pretende dar andamento a essa proposta e, paralelamente, construir um novo texto que amplie a suspensão da prescrição em todas as outras esferas da Justiça. A ideia é evitar que a medida afete apenas réus com foro privilegiado.

No Senado, por outro lado, a receptividade não foi a mesma. “É inoportuno e causa estupefação. No momento em que há uma decisão a ser tomada pelo STF, o presidente do Supremo manda um ofício para cá, quase que com receio da decisão que venha a tomar”, criticou o líder da oposição Randolfe Rodrigues (Rede-AP), para quem a iniciativa foi uma interferência indevida de um poder em outro.

A reação começou depois que Alcolumbre leu o ofício de Toffoli em plenário. O senador Esperidião Amin (PP-SC) acusou o presidente do tribunal de “transferir um pedaço da casca da batata quente” para o Legislativo. Já o senador Alvaro Dias (Pode-PR) afirmou que o Congresso já está debruçado sobre o tema, pois há um projeto de autoria dele próprio em tramitação desde 2015.

Nos bastidores da Corte, há a expectativa de que o julgamento sobre a prisão após condenação em segunda instância termine no próprio dia 7. Está em debate se a execução antecipada da pena fere ou não o princípio da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal.

O entendimento dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux é o de que não há violação, uma vez que os recursos às instâncias superiores não têm o condão de suspender os efeitos de uma condenação. Já os ministros Marco Aurélio Mello (relator), Rosa Weber e Ricardo Lewandowski dizem que a Constituição é “cristalina” ao dizer que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença. Caso o STF derrube a medida, a força-tarefa da Operação Lava-Jato prevê que ao menos 38 réus presos sejam beneficiados, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba.

 

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PGR é contra envio de propostas ao Legislativo


Iniciativa de Toffoli foi mal recebida


Por Murillo Camarotto

 

A proposta de mudanças na legislação que trata da prescrição de crimes, apresentada na segunda-feira aos líderes do Congresso pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, não foi bem recebida na Procuradoria-Geral da República (PGR). A avaliação é de que o STF já dispõe de instrumentos que permitiriam mitigar consideravelmente os efeitos do provável fim da prisão após segunda instância.

O entendimento na cúpula do Ministério Público Federal (MPF) é de que não cabe ao Judiciário o encaminhamento de propostas ao Legislativo. O ideal seria a aplicação de instrumentos que já estão em tramitação e que poderiam evitar que réus abusem dos recursos para se beneficiarem com a prescrição dos crimes.

Um dos instrumentos mencionados por membros da PGR é o Tema de Repercussão Geral 788, que é relatado por Toffoli desde outubro de 2014. A discussão visa definir se o prazo de prescrição deve começar a ser contabilizado somente quando a sentença judicial já tiver sido confirmada por todas as instâncias judiciais. O caso chegou a ser colocado na pauta do tribunal em abril, mas acabou excluído por Toffoli.

Outra iniciativa que ajudaria a atenuar a potencial impunidade caso o STF vete a prisão em segunda instância é o entendimento de que réus podem ser presos imediatamente após sentença proferida por júri popular. Na semana passada, ao analisar um caso específico de feminicídio ocorrido em Santa Catarina, a maioria o Supremo entendeu que a interpretação deve passar a valer para todas decisões do Tribunal do Júri.

“A Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida. Prevê, ademais, a soberania dos veredictos, a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular”, explicou o relator do processo, o ministro Luís Roberto Barroso.

“Partindo desses vetores, hauridos diretamente do texto constitucional, a Primeira Turma desta Corte decidiu que não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso”, completou o magistrado.

O STF também poderia, na avaliação da PGR, unificar uma jurisprudência já adotada pela Primeira Turma, de que decisões de segunda instância interrompem a contagem do prazo de prescrição. O problema é que a Segunda Turma costuma se posicionar em sentido contrário a esse, o que acaba facilitando a prescrição.

Outra crítica dos procuradores ao encaminhamento da matéria por via legislativa é de que a aplicação de uma eventual mudança valeria apenas para crimes cometidos após a publicação da nova lei. Ontem, o juiz federal Marcelo Bretas usou as redes sociais para reforçar justamente esse ponto da proposta encabeçada por Toffoli.

 

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Julgamento no STJ sobre sítio de Atibaia é suspenso


Defesa de Lula pede que STJ analise apelação ampla, e não apenas a ordem das alegações finais no caso do sítio de Atibaia


Por Isadora Peron 

O relator da Operação Lava-Jato no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Leopoldo de Arruda Raposo, atendeu a um pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e concedeu uma liminar para suspender o julgamento previsto para hoje no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), relativo ao processo do sítio de Atibaia (SP).

O TRF-4 iria julgar em sessão marcada para as 13h30 apenas a ordem de apresentação das alegações finais. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que réus delatados têm direito de falar por último, depois dos réus delatores, para que possa se defender de todas as eventuais acusações.

A defesa de Lula, no entanto, afirmou que o tribunal deveria analisar a questão dentro de uma apelação mais ampla apresentada, que discute outros pontos de nulidade do processo.

No pedido, o advogado do petista, Cristiano Zanin Martin, alegava que o TRF-4 estava causando “tumulto processual” e “quebra da ordem cronológica”. Também questionava o motivo de a pauta incluir apenas um dos capítulos do seu recurso, em vez de outros tópicos, que poderiam levar à anulação completa do processo do sítio.

A liminar concedida ontem por Raposo, que substituiu o ministro Félix Fischer como relator da Lava-Jato no STJ, atendeu a esse pedido da defesa de Lula.

Para o ministro, “faz-se desproporcional e desarrazoada a cisão do julgamento da forma como pretendida pelo tribunal [TRF-4], não encontrando amparo no cipoal normativo, nem na Carta Maior, nem mesmo na legislação correlata”.

Mais cedo, Zanin havia acionado o Supremo Tribunal Federal diante da omissão do STJ. Com a decisão do relator da Lava-Jato, o habeas corpus impetrado na Corte perdeu o objeto - isto é, não precisa ser mais analisado.

Ontem, após a decisão do ministro do STJ, o TRF-4 emitiu nota afirmando que estava suspenso o julgamento da questão de ordem do processo. Ainda não há uma data para que toda apelação, como quer a defesa do ex-presidente, seja analisada

O TRF-4 pretendia analisar hoje se o caso do sítio de Atibaia deveria ou não voltar para a primeira instância - para a 13ª Vara em Curitiba - visando eventual correção da ordem de apresentação das alegações finais.

Após a decisão do Supremo, que anulou a condenação imposta ao ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, a força-tarefa da Lava-Jato do Paraná decidiu se antecipar e pediu a anulação da sentença do processo de Lula - para evitar que isso acontecesse mais para frente, quando o caso já estivesse sob análise dos tribunais superiores.

O ex-presidente Lula foi condenado em primeira instância no caso do sítio por corrupção e lavagem de dinheiro, com pena fixada em 12 anos e 11 meses de prisão. Ele está preso desde abril do ano passado, após o TRF-4 confirmar a sentença e condená-lo em segunda instância no processo do tríplex de Guarujá (SP).