Valor Econômico, v.20, n. 4869, 30/10/2019. Política p.A8

 

Caso Marielle deve ir ao STF por menção de testemunha a Bolsonaro


Investigação foi realizada pela polícia e Ministério Público


Por André Guilherme Vieira e Carolina Freitas

Registros da portaria do condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, indicam que um dos envolvidos no assassinato da vereadora Marielle Franco entrou no local em 14 de março de 2018, mesmo dia do crime, dizendo na portaria que iria para a casa que o presidente Jair Bolsonaro mantém no residencial. Na época, Bolsonaro era deputado federal. A informação foi revelada ontem à noite pelo ‘Jornal Nacional’ da TV Globo.

O porteiro do condomínio contou à Polícia Civil que, horas antes do assassinato, o acusado de ser o motorista do carro usado no homicídio da vereadora, Élcio de Queiroz, entrou no condomínio dizendo que iria para a casa de número 58, que é de propriedade de Jair Bolsonaro. Registros da Câmara dos Deputados, no entanto, mostram que nessa data o então deputado federal estava em Brasília.

Segundo a reportagem do Jornal Nacional, depois de Élcio ter se identificado na portaria e dito que iria para a casa de Bolsonaro, o porteiro disse que ligou para a casa 58 para confirmar se o visitante tinha autorização para entrar.

Ele disse também que identificou a voz de quem atendeu o interfone como sendo a do “seu Jair”, e que o interlocutor autorizou a entrada de Élcio.

O porteiro contou também que, depois que Élcio entrou no condomínio, ele acompanhou a movimentação do carro pelas câmeras de segurança e viu que o automóvel se dirigiu para outro destino, a casa 66 - local onde então morava Ronnie Lessa, acusado pelo Ministério Público e pela Polícia de ser o executor dos disparos que mataram Marielle e o motorista dela, Anderson Gomes.

O porteiro relatou que ligou novamente para a casa 58 para comunicar que o visitante tinha ido à outra residência e que então o homem que ele identificou como “seu Jair” teria dito que sabia para onde Élcio estava indo.

A reportagem, no entanto, aponta uma contradição no relato feito pela testemunha: os registros da Câmara dos Deputados apontam que nesse dia Jair Bolsonaro estava em Brasília, conforme mostram as marcações de presença em duas votações realizadas no plenário da Casa, uma às 14h e outra às 20h30.

Nessa mesma data, Bolsonaro também postou vídeos nas redes sociais em que aparece no gabinete, em Brasília, e fora dele.

Segundo a apuração do Jornal Nacional, os dois criminosos acusados de matar Marielle saíram do condomínio dentro do carro de Ronnie Lessa, minutos depois da chegada de Élcio, e embarcaram no veículo usado no crime próximo ao condomínio.

A guarita do condomínio Vivendas da Barra dispõe de equipamentos de gravação que registram todas as conversas mantidas por interfone. Os investigadores atuam na recuperação dos arquivos de áudio para saber com quem o porteiro conversou naquele dia pelo interfone e quem estava na casa 58.

Promotores do Ministério Público do Rio foram ao encontro do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, no dia 17 de outubro.

Os investigadores queriam saber se poderiam continuar a investigar, depois da menção feita pelo porteiro ao presidente.

Toffoli ainda não decidiu. Mas o Valor apurou que o caso tende a ser mantido no STF. O artigo 86 da Constituição não permite que o mandatário seja investigado, estando no cargo, por qualquer ato estranho ao ofício presidencial.

Vereadora do Psol, Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram mortos em uma emboscada, na noite de 14 de março de 2018. Os dois foram assassinados com 13 disparos que atingiram o carro em que ela estava. Marielle recebeu quatro tiros. Ela e Anderson morreram na hora.

Formada em sociologia e nascida e criada na favela da Maré, Marielle foi a quinta vereadora mais votada da cidade em 2016.

Em nota, o presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros, exigiu esclarecimentos sobre os desdobramentos do caso e classificou como grave as informações veiculadas pelo Jornal Nacional.

 

 

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Presidente acusa Witzel de vazamentos


Presidente fez acusações ao governador do Rio de Janeiro e à imprensa em live trasmitida pelo Facebook

 

O presidente Jair Bolsonaro acusou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), de ter vazado informações que ligam seu nome ao assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). Em “live” transmitida no Facebook na noite de ontem, Bolsonaro afirmou que Witzel quer disputar a Presidência da República em 2022 e que, para isso, quer “destruí-lo”.

Na “live”, Bolsonaro atacou a TV Globo, depois que o Jornal Nacional veiculou reportagem mostrando que um suspeito da morte de Marielle teria entrada em condomínio para alegando que ia para casa do presidente.

Segundo a reportagem do Jornal Nacional, os registros da portaria do condomínio em que Bolsonaro morava até assumir a Presidência da República, no Rio de Janeiro, apontam que um dos envolvidos na mortes entrou no local dizendo que iria para a casa de número 58, que pertence ao presidente. No mesmo condomínio, o Vivendas da Barra, mora o principal suspeito de matar Marielle e Anderson, o policial militar reformado Ronnie Lessa.

Bolsonaro afirmou que o processo para investigar a morte de Marielle corre em segredo de Justiça e disse que Witzel é o responsável pelo vazamento das informações. O presidente acusou o governador do Rio de tentar destrui-lo e destruir sua família para chegar à Presidência. “Por que querem me destruir? Por que essa sede de poder, governador Witzel?”, disse. “Seu objetivo é nos destruir”.

Em viagem internacional, Bolsonaro disse que quer ser ouvido pela Policia Civil do Rio de Janeiro quando voltar ao Brasil, na quinta-feira. “Senhor governador Witzel, eu quero falar sobre o processo. Estou à disposição de vocês, Delegado, quero te ouvir, olhar nos seus olhos”, disse. “Meu depoimento pode ser aberto”.

O presidente afirmou que o processo que apura a morte de Marielle está “bichado” e que não sabe se deveria ser federalizado. Em seguida, colocou em xeque a capacidade da Polícia Federal de investigar o assassinato, já que, segundo Bolsonaro, não foi capaz de descobrir quem tentou matá-lo quando levou uma facada em setembro de 2018, durante a campanha eleitoral.

Bolsonaro atacou a imprensa como “porca, canalha e imoral” “O tempo todo vocês tentam infernizar a minha vida, porra”, afirmou o presidente, visivelmente transtornado. Segundo Bolsonaro, a TV Globo não deveria ter veiculado a reportagem porque o processo corre em segredo de justiça.

 

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Governistas barram gratificação à baixa patente


Partidos como PT e Psol se posicionaram a favor da gratificação para os “praças” e receberam aplausos de familiares dos militares


Por Renan Truffi e Marcelo Ribeiro

Sob vaias e acusações de “traição”, a base do governo Jair Bolsonaro conseguiu concluir ontem, na comissão especial, a votação do projeto de reforma da Previdência e reestruturação da carreira dos militares. A proposta passou sem modificações, mantendo previsão de trazer economia de aproximadamente R$ 10 bilhões em uma década, mas irritou militares de baixa patente, que tentavam conquistar uma gratificação de representação, concedida apenas a uma parte da categoria atualmente.

O projeto tramita em caráter terminativo, o que dispensaria apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados. A tendência, entretanto, é que partidos de oposição consigam, nos próximos dias, as 51 assinaturas necessárias para obrigar nova apreciação do tema na Casa. A ofensiva busca dificultar o avança da medida e está sendo capitaneada pelo deputado Glauber Braga (Psol-RJ). Somente depois disso é que o projeto deve seguir para avaliação do Senado.

Apesar de ter aprovado o texto-base na semana passada, a comissão especial precisava analisar os destaques, trechos específicos que podem ser votados separadamente por meio de emendas. Foi exatamente nessa etapa que o governo se indispôs com militares, parte da base eleitoral da família Bolsonaro.

É que uma das emendas, de autoria do Psol, sugeria estender a gratificação de representação - atualmente restrita a “oficiais” -- para qualquer militar, incluindo os “praças”, como são chamados militares que ocupam postos mais baixos na hierarquia militar. Se aprovada, a proposta garantiria bônus com percentuais entre 5% e 15% para todos e, por isso, era considerada uma demanda dessa categoria.

O obstáculo, no entanto, eram os dados do governo. A equipe econômica estimou que a mudança poderia causar um impacto de R$ 130 bilhões em dez anos, o que fez com que tanto o PSL como outros partidos próximos ao governo votassem contra a medida. Além disso, segundo o relator do projeto na comissão, deputado Vinicius Carvalho (PRB-SP), a emenda era inconstitucional. “O artigo 63 da Constituição diz que não será admitido aumento de despesa prevista nos projetos de iniciativa exclusiva do presidente da República”, justificou. Carvalho e outros parlamentares defenderam que o texto reforça a ideia de meritocracia.

A posição motivou críticas por parte de mulheres de praças, que estavam presentes na sessão, e a votação teve ser interrompida por alguns minutos. Ainda assim, representantes da categoria puxaram gritos de ordem contra o presidente e seu partido, acusado de serem “traidores”. As queixas contra Bolsonaro foram endossadas pelo deputado Delegado Waldir (PSL-GO), ex-líder do partido na Câmara, que entrou em conflito com o presidente e seus filhos em meio à disputa interna na legenda.

Questionado sobre a decisão de se posicionar contra o governo no debate, Waldir afirmou: “Eles me conheceram como líder, não me conheceram como deputado. Não sei como Bolsonaro vai entrar nos quartéis depois dessa posição. Vão deixar as famílias dos praças sem o pão, é uma covardia. Quem será a hiena do Exército? Vamos aguardar e nós veremos.” As “hienas” são uma em referência a vídeo publicado no Twitter do presidente na segunda-feira.

Ironicamente, partidos como PT e Psol se posicionaram a favor da gratificação para os “praças” e receberam aplausos. A situação incomum fez com que parlamentares do PSL acusassem a oposição de manipular esses militares. "É uma manipulação de um partido político que sempre foi contra as Forças Armadas e as forças de segurança. Eles estão se apropriando do discurso", disse um deputado do PSL.

Apesar da pressão, a emenda foi derrubada por 18 votos a favor e 10 contra. Ainda assim, a gratificação continua prevista no projeto, mas apenas para os “oficiais” e “praças” que estejam em cargos de comando, mudança que foi negociada na semana passada junto ao PT justamente como forma de impedir que a proposta fosse levada ao Plenário. Também há uma semana, os deputados derrubaram trecho que permitia a generais incorporarem essa gratificação à aposentadoria. O outro destaque que acabou ficando prejudicado era o que tratava de regular um aumento nos percentuais do adicional de habilitação, bonificação prevista para o militar que faz cursos de aperfeiçoamento técnico e profissional.

Para passar à inatividade, o texto aprovado determina que o tempo mínimo de serviço subirá dos atuais 30 para 35 anos, com pelo menos 25 anos de atividade militar, para homens e mulheres. A remuneração será igual ao último salário (integralidade), com os mesmos reajustes dos ativos (paridade).