Valor Econômico, v. 20, n. 4900, 13/12/2019. Política, p. A12
 

Senadora cassada recebe solidariedade de colegas
 Vandson Lima
 Isadora Peron
 Renan Truffi 

 

Cassada por abuso do poder econômico e o uso de caixa dois ao omitir R$ 1,2 milhão na prestação de contas de sua campanha ao Senado, a condenação de Selma Arruda (Podemos-MT) provocou uma inesperada onda de solidariedade no Senado.

Apesar do resultado acachapante obtido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde foi derrotada por 6 votos a 1 -  antes, o Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE-MT) já a havia considerado culpada por 7 votos a 0 -, não faltou no Senado quem saísse em defesa da juíza, que ficou conhecida como “Sergio Moro de saias” por sua atuação contra políticos e figurões em seu Estado.

Para os pares, a senadora é vítima de uma perseguição por estar no grupo de parlamentares que quer investigação do Judiciário e abertura de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). “Se foi para dar um recado para alguns senadores, que cassem um a um”, disparou o senador Eduardo Girão (Podemos-CE). “Condeno uma Justiça que se  apressa quando quer, mas que é lenta e se faz de morta quando deseja”, afirmou Plínio Valério (PSDB-AM).

 

Eleita pelo PSL na esteira do bolsonarismo em 2018, Selma havia se filiado há três meses ao Podemos. Transformou-se rapidamente em um dos nomes de proa do movimento intitulado “Muda Senado”, responsável pelo controverso pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o poder Judiciário, conhecida como CPI da Lava Toga - devidamente engavetada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Na mesma terça-feira em que a condenação de Selma confirmada, ela foi relatora do projeto para restabelecer a possibilidade de prisão em segunda instância.

O mesmo tema é tratado em uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que tramita na Câmara. Ironicamente, o texto que tramita na Casa vizinha poderia atingir inclusive a parlamentar. “A segunda instância, que a relatora defende, agora pode atingi-la. Porque nós não queremos segunda instância só para criminal. Vai ter que ser eleitoral, vai ter que ser cível, quem tiver em improbidade administrativa também vai ter que pagar”, avisou o oposicionista Weverton Rocha (PDT-MA), único no plenário a concordar com a sentença. “Na hora que se votou o Lula rápido, lá no TRF-4, era necessário. Na hora que se julga a Juíza Selma, porque é da bancada de vocês, aí é perseguição, são todos ‘togas sujas’”, ironizou.

A efetivação da perda do mandato de Selma ainda é motivo de controvérsia. Ela permanecerá no cargo, pelo menos, até a publicação do acórdão. Ao Valor, um dos ministros que participaram do julgamento no TSE avalia que, com a publicação e notificação ao Senado, a cassação é automática.

Já técnicos do Senado ouvidos avaliam que a Mesa Diretora precisa ser convocada e declarar a perda de mandato. Aí entra outro problema: com as relações políticas estremecidas entre Alcolumbre e parte dos integrantes do colegiado, a Mesa não se reuniu nenhuma vez este ano. Assim, a destituição poderia ser feita fazendo circular um documento para  assinatura dos integrantes da Mesa - que é como Alcolumbre vem fazendo.

 

Ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que atuou como advogado de defesa de Carlos Fávaro (PSD), terceiro colocado na eleição e autor da ação, apontou apenas que “a decisão do Judiciário é irreversível, independentemente das formalidades que se entenda sejam necessárias”.

Tudo somado, Selma, que não compareceu à sessão legislativa ontem, segue senadora. Com o Congresso em seus últimos dias de atividade em 2018, caso a decisão tenha de passar pelo Senado e não ocorra brevemente, a “Moro de saias” poderá seguir cassada, mas no posto, inclusive recebendo o salário de R$ 33,7 mil pelo menos até a volta do recesso, em fevereiro.