O Globo, n. 32635, 13/12/2022. Opinião, p. 3

A ban­cada da desin­for­ma­ção

Luiz Claudio Latgé


O Congresso que tomará posse nos próximos dias inaugura um novo grupamento temático na política brasileira: a bancada da desinformação, formada por deputados e senadores que sustentaram suas candidaturas na propagação de fake news, acusações mentirosas e discurso de ódio.
A ciência política define esses grupos de interesse, além das questões regionais e partidárias, em função de uma agenda política. Como as bancadas do agronegócio, da bíblia (ou evangélica) e da bala. Podem ser identificados pela ação programática, pelo eleitorado e pelo voto.

A bancada evangélica se organiza em torno da pauta de costumes, questões como aborto, educação religiosa e construção da rede de emissoras de rádio e TV usada para conquistar fiéis — e eleitores.

O lobby existe em todo o mundo democrático. Nos Estados Unidos, é conhecida a influência da National Rifle Association na defesa do porte de armas — ideia que o governo Bolsonaro botou na agenda política brasileira e foi abraçada pela bancada da bala, formada por agentes policiais e militares.

Grupos econômicos também costumam ter atuação forte no Congresso. E o agronegócio elege governadores, prefeitos, deputados e senadores, especialmente no Sul e no Centro-Oeste.

Na última eleição, o discurso programático ficou em segundo plano, e as fake news dominaram a campanha. Apesar da tentativa do TSE de contê-las nas mídias sociais, a desinformação produziu campeões de votos. Influenciadores digitais, ou influenciadores políticos, os novos comunicadores.

A lista é grande. O mineiro Nikolas Ferreira, tornado porta-voz do bolsonarismo e eleito com mais de 1 milhão de votos. A destemperada (e perigosamente armada) Carla Zambelli. O general Eduardo Pazuello — por que não? —, o ministro da cloroquina. O goiano Gustavo Gayer, que lucrava nas redes sociais com notícias falsas durante a pandemia. O vereador cassado Gabriel Monteiro, acusado de estupro — acreditem! —, elegeu o pai e a irmã. E, entre tantos outros, a inacreditável ex-ministra Damares Alves, com seus rompantes histriônicos e a denúncia sem cabimento de crimes sexuais na Ilha de Marajó contra crianças sem dentes.

O que define mesmo uma bancada temática é a orientação para o voto, para a defesa de uma pauta comum. A bancada da desinformação já demonstrou que tem uma agenda própria na defesa de liberdade irrestrita, sem qualquer tipo de controle das redes sociais, no desprezo ao ensino e à ciência e no ataque às instituições republicanas.

Num recente evento do Centro Internacional de Ética da Informação, realizado no Rio, a cientista Ana Regina Rêgo, coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação, manifestou preocupação em relação à regulamentação das redes sociais, que se arrasta no Congresso, diante da nova composição do Câmara e do Senado.

A eleição terminou, apesar das orações dos bolsonaristas diante dos quartéis. Mas a desordem informacional que se apresenta como ameaça civilizatória ainda atrapalhará a vida do país e precisa ser enfrentada. Por todos.