O Globo, n. 32635, 13/12/2022. Saúde, p. 21

Novo Capítulo

Bernardo yoneshigue



Com quase três anos de pandemia, e a maior e mais veloz campanha de vacinação já vista, a Covid-19 deixou de ser a ameaça de saúde que parou o mundo em 2020. Porém, ondas consecutivas da doença, como a que o país vive agora, demandam estratégias contínuas de combate ao vírus. Entre elas, a principal continua a ser a imunização – que entra em uma nova etapa no mundo.

As chamadas vacinas bivalentes, versões atualizadas dos imunizantes que chegaram aos braços de mais de cinco bilhões de pessoas, são uma nova arma para frear a gravidade da doença e ampliar a proteção do sistema imunológico contra as múltiplas versões da variante Ômicron, que têm provocado novos casos em todo o planeta.

As aplicações já integram diversos programas de vacinação, como os do Reino Unido, dos Estados Unidos e do Chile, que incorporou as novas doses ainda em outubro. Agora, com a chegada dos primeiros lotes ao Brasil, o país se prepara para também dar início à nova etapa da imunização nas próximas semanas.

Abaixo, saiba tudo sobre os novos imunizantes, quem deverá recebê-loe os próximos passos da campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil.

O que são as vacinas bivalentes?

As vacinas tradicionais contra a Covid-19 foram desenvolvidas baseadas na primeira variante do vírus, descoberta em 2019 em Wuhan, na China. Elas são chamadas de monovalentes.

Com o tempo, o coronavírus sofreu uma série de mutações. Ainda assim, a proteção dos imunizantes continuava alta, cenário que mudou com a Ômicron.

— A Ômicron é geneticamente bem diferente das variantes anteriores, então o escape imunológico ficou muito mais evidente. Por isso tivemos tantos casos de reinfecção e a necessidade de as vacinas serem atualizadas. As novas, em vez de contar com 30 microgramas apenas da cepa original, conta com 15 da original e 15 da Ômicron, por isso é chamada de bivalente — explica a diretora do comitê de imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo.

A nova geração de vacinas já foi aprovada em cerca de 35 países, e recebeu o aval da Anvisa para aplicação no Brasil no final de novembro. São dois modelos desenvolvidos pela Pfizer, um cuja parte da Ômicron é baseada na subvariante BA.1 – primeira versão da variante que circulava em janeiro – e outra com base nas subvariantes BA.4/BA.5 – que predominaram durante a metade do ano até a chegada da BQ.1 e outras linhagens.

Richtmann cita que a nova dose induz uma produção de anticorpos até quatro vezes maior que a vacina tradicional. Por isso, ainda que as versões da Ômicron que crescem hoje no Brasil e no mundo, como a BQ.1, não sejam as contempladas nas vacinas, espera-se uma proteção maior das novas aplicações também contra elas, já que são ramificações da mesma cepa.

Quem deve tomar as vacinas e quando?

Ainda não há uma diretriz oficial do Ministério da Saúde sobre grupos prioritários e intervalo em relação à última dose. Procurada, a pasta afirma que “as orientações para aplicação, assim como o cronograma e quantitativo de doses a serem distribuídas serão formalizados em nota técnica nos próximos dias”.

Em países como Estados Unidos e Chile, as novas aplicações são recomendadas como um novo reforço para toda a população. No entanto, os especialistas acreditam que a estratégia do Brasil será de direcionar as doses para os grupos mais vulneráveis, ao menos no primeiro momento.

As doses que chegarão nos próximos meses ao país não são suficientes para contemplar todos acima de 12 anos —público que recebeu o sinal verde da Anvisa.

Richtmann acrescenta que a dose bivalente é aprovada apenas como um reforço, oferecida quatro meses após a última aplicação. Por isso, quem não se vacinou precisa completar o esquema com duas aplicações do imunizante original antes de receber a nova injeção.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, ainda que a campanha comece com os mais vulneráveis, é esperado que eventualmente a vacina seja indicada a toda a população.

— Deve ser uma vacina de reforço para toda a população, como já está sendo feito nos Estados Unidos. Mas, com os quantitativos que teremos agora, vai ser como no início da vacinação — afirma o médico.

Quando os imunizantes estarão disponíveis?

Na última sexta-feira, chegou ao Brasil a primeira leva das novas vacinas pela Pfizer. Até o próximo dia 19, o país terá recebido um total de 8,9 milhões de doses da bivalente com a subvariante BA.1.

Depois, serão enviadas mais 27,4 milhões de doses do outro imunizante, feito com as linhagens BA.4/BA.5, segundo cronograma da Pfizer. Ao todo, são 36,3 milhões de aplicações atualizadas com entrega prevista até o fim de janeiro. Procurada, a empresa afirmou que busca entregar parte dessas doses ainda em 2022, “a depender da disponibilidade de voos e outras questões logísticas”.

Segundo o Ministério da Saúde, as doses recebidas estão em avaliação e análise do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) e, assim que forem liberadas, serão distribuídas a todos os estados e ao Distrito Federal. Até lá, a pasta afirma que já terá publicado a nota técnica com as orientações referentes aos grupos que poderão ser vacinados.

Estou atrasado, devo esperar a vacina bivalente?

Um alerta feito pelos especialistas e pelo Ministério da Saúde é que as pessoas que não estão atualizadas com o esquema vacinal procurem imediatamente o posto de saúde para receber a dose pendente. Eles destacam que a população não deve esperar a chegada das vacinas bivalentes, uma vez que as injeções atuais garantem uma alta proteção contra formas graves e óbitos pela Covid-19.

Porém, para isso, é preciso receber todas as doses indicadas pelas autoridades de saúde. Isso é, todos acima de 12 anos devem receber o primeiro reforço, ou terceira dose, e todos acima de 40 anos, o segundo, ou quarta dose. Aqueles com quadro de imunossupressão devem receber uma aplicação adicional.

E a vacinação de crianças?

Por enquanto, o Brasil vacina crianças de 5 a 11 anos com a vacina pediátrica da Pfizer no esquema de duas doses, e as de 3 a 5 anos com o imunizante CoronaVac, também em duas aplicações. Para menores de 3 anos, podem ser protegidos aqueles a partir de 6 meses com comorbidades com a versão da Pfizer para bebês, em três doses. Há alguns pedidos em análise para ampliar esses esquemas.

A Anvisa autorizou no início do mês a inclusão na bula de uma dose de reforço, a terceira, para aqueles entre 5 a 11 anos. Porém, o ministério ainda não recomendou a dose, e o tema deve passar antes pela análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).

A comissão discute ainda a liberação da vacina para todos os bebês a partir de 6 meses, e não só aqueles com comorbidades. Há ainda um pedido da Pfizer em análise na Anvisa para aplicar a dose bivalente como um reforço em crianças de 5 a 11 anos.

“A Ômicron é geneticamente bem diferente das variantes anteriores, então o escape imunológico ficou muito mais evidente. Por isso tivemos tantos casos de reinfecção e a necessidade de as vacinas serem atualizadas”