Valor Econômico, v.20, n. 4868, 29/10/2019. Brasil p.A4

 

Pacote pós-Previdência terá reforma administrativa e incentivo a emprego


Medidas incluem MP do pacto federativo e farão parte das “comemorações” dos 300 dias do governo


Por Lu Aiko Otta e Daniel Rittner

O governo prepara um amplo conjunto de medidas para ser anunciado no pós-reforma da Previdência e na comemoração dos 300 dias sob a Presidência de Jair Bolsonaro, na próxima segunda-feira. São políticas que começaram a ser concebidas logo no início do ano, mas que ficaram em suspenso até a aprovação da emenda constitucional da nova Previdência. Dentre elas, constam a PEC do pacto federativo, a reforma administrativa e ações para incentivar o emprego de jovens e de trabalhadores com mais de 50 anos.

Também são parte do leque de iniciativas programas como a Estratégia Nacional de Qualificação, com um novo sistema de distribuição de vouchers para que trabalhadores possam fazer cursos e treinamentos oferecidos pelo Sistema S; a BR do Mar (estímulo ao transporte de cargas por cabotagem como alternativa ao uso de caminhões); e a Hora do Turismo (com medida provisória de estímulo ao setor).

Na área de infraestrutura, a ideia é formalizar a extinção da taxa adicional de US$ 18 para o embarque em voos internacionais e anunciar a meta de alcançar 200 localidades atendidas pela aviação regular até 2025 - hoje são 120. Uma possibilidade, ainda em discussão, é incluir a ampliação do uso de debêntures incentivadas nessa lista de ações.

A avaliação da área econômica é de que Bolsonaro terá que “radicalizar” nas reformas, aprofundando as ações de austeridade no gasto público e adotando medidas de cunho liberal, se não quiser cair na mesma armadilha dos presidentes de dois países vizinhos que teriam titubeado: Mauricio Macri, na Argentina, e Sebastián Piñera, no Chile. O primeiro ressuscitou o peronismo, com a eleição no fim de semana que deu vitória a Alberto Fernández; e o segundo enfrenta uma forte onda de protestos.

A questão do emprego deverá ocupar lugar central na comemoração dos 300 dias. A principal medida é voltada para as faixas mais vulneráveis - os jovens e os trabalhadores com mais de 55 anos. Os contratos de pessoas desses dois grupos serão isentos das contribuições ao INSS, ao Sistema S, ao Incra e do salário-educação, todos cobrados na folha salarial. Nesses contratos, a alíquota do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) será de 2%, em vez de 8%.

O governo vai estabelecer travas para evitar que as empresas troquem seus trabalhadores para se beneficiar das isenções. Haverá, por exemplo, um percentual de empregados que poderão ser contratados nessas condições.

Dados do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) mostram que, no ano passado, houve recuo de 0,95% no emprego formal para pessoas com até 24 anos. Na faixa de 26 a 29 anos, a redução foi de 1,71%.

Na última sexta-feira, o governo lançou um edital para contratar instituição de ensino que treinará, numa primeira etapa, 800 jovens de 18 a 24 anos. A empresa precisará fazer um mapeamento da demanda do setor privado. Só receberá se seus alunos conseguirem 30% mais empregos do que um grupo de controle formado por 1.200 jovens.

Outra medida será a liberação de dinheiro que está em depósitos recursais de ações trabalhistas para aumentar o capital de giro das empresas. Estima-se que haja R$ 65 bilhões nessas contas. Haverá, ainda, ações para facilitar o microcrédito.

Trabalhadores que estão impedidos de trabalhar por razões médicas terão um programa de reabilitação.

 

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Empresas podem registrar filiais na junta do Estado da matriz


Medida tem como objetivo desburocratizar e reduzir custos, devendo ter um impacto grande sobretudo no setor de varejo


Por Fabio Graner

O governo concluiu neste mês o processo de integração de sistemas e já está funcionando a ferramenta que permite às empresas abrirem filiais em outros Estados, mas registrando na junta comercial onde a matriz estiver instalada. O diretor do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei) do Ministério da Economia, André Santa Cruz, disse ao Valor que a medida é mais um passo de desburocratização e redução de custos, com um impacto grande sobretudo no setor de varejo.

“É uma medida revolucionária. Até então, quando você ia abrir filial, seja no ato da abertura da matriz, seja depois, tinha que ir em cada junta comercial da cidade ou do Estado. Isso não só aumentava custos como fazia com que o processo ficasse mais demorado”, afirmou ele.

“Agora, com a nova regulamentação e com a evolução dos sistemas, consegue-se fazer isso de forma simultânea, abrindo quantas filiais quiser. E tudo será feito na junta da matriz, e esta vai comunicar às juntas dos Estados onde estarão as filiais”, completou Santa Cruz.

Segundo ele, redes de farmácia, supermercados e bancos serão bastante beneficiados, já que cada unidade nova demandava um registro na junta local, com tempo de espera para análise de processos, custos de viagens e riscos de exigências diferentes em cada local. “Agora é só apresentar todos os atos de filiais na junta onde a matriz estiver, e só vai mudar o endereço.”

Em carta enviada ao Ministério da Economia, o Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV) destaca que o novo processo promove simplificação, redução de custos, maior controle a partir da uniformização de dados fornecidos, bem como do procedimento de análise dos pedidos pelas juntas.

Apesar de o processo ter tido regulamentação em agosto por Instrução Normativa, a integração dos sistemas só foi concluída neste mês, permitindo a validade da norma. Santa Cruz afirmou que algumas juntas chegaram a reclamar devido ao risco de perda de receitas, mas, segundo ele, prevaleceu a leitura de que a medida é positiva para promover o empreendedorismo e facilitar a vida do cidadão.

 

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Venda de dólar segura dívida pública, aponta IFI


Em relatório, instituição diz que incertezas “quanto à evolução da economia internacional e doméstica” neste ano têm aumentado a demanda por dólares à vista


Por Estevão Taiar 

A venda de dólares no mercado à vista “tem o efeito colateral desejável” de diminuir a dívida bruta do governo federal, na avaliação da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento das contas públicas ligado ao Senado. Reportagem publicada pelo Valor ontem mostrou que o impacto fiscal da venda à vista da moeda americana promovida pelo Banco Central (BC) foi de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em dois meses.

Em relatório, a IFI diz que incertezas “quanto à evolução da economia internacional e doméstica” neste ano, principalmente no segundo semestre, têm aumentado a demanda por dólares à vista. Assim, a partir de agosto o BC resolveu suprir essa demanda por meio da venda da moeda americana, lembra o órgão.

No entanto, a IFI afirma que a autoridade monetária “pode ter pesado também o efeito colateral desejável do uso dos recursos obtidos com as vendas no abatimento da DBGG [dívida bruta do governo geral]”.

Desde agosto, o BC se desfez de US$ 19,3 bilhões, retirando quase R$ 70 bilhões da economia. Isso reduziu na mesma proporção o volume de operações compromissadas, usadas para regular a liquidez do sistema. Com a diminuição das operações compromissadas, houve consequentemente queda do endividamento bruto do governo federal.

A dívida bruta é considerada o principal indicador de solvência das contas públicas do país, tanto pela equipe econômica quanto pela maior parte dos analistas. A redução dela é tratada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como essencial.

O dado mais recente apontava que a relação entre dívida bruta e PIB estava em 79,8%, próxima da barreira de 80% - vista no governo como um nível a ser evitado. Além disso, a equipe econômica tem afirmado que não basta estabilizar indicador, mas também aproximá-lo da média dos países emergentes, entre 50% e 60% do PIB.

A opção por vender reservas para abater a dívida “não é trivial”, no entanto, admite a IFI. Isso porque elas formam “um importante seguro contra crises externas”.

“Quando as crises acontecem, as reservas permitem minorar os efeitos adversos sobre a economia doméstica”, diz. “Mais ainda. A própria existência de reservas em nível adequado ajuda a prevenir o surgimento de crises.” Por isso, é preciso analisar os custos e benefícios desse seguro.

Em junho deste ano, as reservas somavam R$ 388,1 bilhões. De acordo com a metodologia do Fundo Monetário Internacional (FMI), o nível considerado adequado para o Brasil variava de R$ 236,9 bilhões a R$ 355,4 bilhões na ocasião. Ou seja: o volume de reservas excedentes do país estava entre R$ 32,7 bilhões e R$ 151,2 bilhões.

Para adquirir as reservas, o Tesouro Nacional emite títulos no Brasil e, com a quantia arrecadada, compra moeda estrangeira para investir em títulos de países desenvolvidos, principalmente dos Estados Unidos. O custo em dólares do carregamento, portanto, é dado em grande parte pela diferença entre a remuneração dos títulos americanos (entre 1,75% e 2% ao ano, atualmente) e a Selic (5,5%).

Além disso, o custo de carregamento em reais é influenciado pela valorização do câmbio. Medidas em reais, as reservas diminuem com a valorização da moeda nacional e crescem com a desvalorização.