Valor Econômico, v.20, n. 4868, 29/10/2019. Brasil p.A7

 

‘Pré-sal é o que há de mais atrativo’, diz IHS Markit


Atentado à Saudi Aramco, em setembro, mostrou mudança estrutural no mercado de petróleo


Por Rodrigo Polito e Francisco Góes 

As jazidas de petróleo do Brasil no pré-sal representam o que há de mais atrativo na indústria de óleo e gás, na visão de Carlos Pascual, vice-presidente sênior da IHS Markit, uma das principais empresas globais de informação, análise de dados e consultoria da área de energia. “O que está em oferta no Brasil no dia de hoje [no pré-sal] não tem comparação com qualquer outro país na América Latina”, disse Pascual. Para ele, trata-se ainda de um dos melhores ativos do mundo. Dois pontos sustentam o argumento: a produtividade dos campos e as melhorias regulatórias feitas nos últimos anos. “O Brasil tem os recursos petrolíferos offshore mais produtivos do mundo, quando você pensa que um poço [no pré-sal] pode ter produtividade de 60 mil barris por dia. No Golfo do México, é algo como 12 mil a 13 mil barris por dia. São quatro vezes mais.”

Nascido na Havana, em Cuba, e criado desde pequeno nos Estados Unidos, Pascual tem longa carreira diplomática pelos EUA, tendo servido em diversos países, inclusive no México, onde mora hoje. A IHS Markit, da qual ele é um dos principais executivos, é uma empresa “global e local”, afirma. Tem escritórios em mais de 30 países, e cerca de 15 mil colaboradores no mundo. A companhia é resultado da compra pela IHS, em 2004, da Cambridge Energy Research Associates (CERA), fundada por Daniel Yergin, considerado como um dos “papas” da indústria de petróleo.

O que está em oferta no Brasil no dia de hoje não tem comparação com qualquer outro país na América Latina”

Yergin é vice-presidente da IHS, que presta serviços não só a empresas da área de energia, mas também a outros setores, como automotivo, aeronáutico, de tecnologia e financeiro. Nesta entrevista, realizada ontem no escritório da IHS Markit, no Rio, Pascual também falou sobre geopolítica do petróleo, área que está diretamente sobre sua influência na companhia. Para ele, um possível acordo comercial entre EUA e China terá papel-chave para o mercado de petróleo. Leia a seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Que efeitos os atentados sobre a Saudi Aramco tiveram sobre o mercado de petróleo?

Carlos Pascual: O ataque na refinaria e nos campos da Saudi Aramco teve um impacto estrutural não somente no mundo de petróleo e gás, mas sobre questões de segurança. O episódio mostrou que, com um ataque, foi possível derrubar mais de 50% da produção da Saudi Aramco em um dia e afetar o exportador número um de petróleo do mundo. O impacto imediato era esperado: o preço subiu a US$ 69 por barril. Mas o que não se esperava era que o preço subisse somente até ali e que, um mês depois, o preço estivesse outra vez em US$ 60 por barril. Isso mostra duas coisas. A primeira é a fragilidade que existe na demanda e a incerteza não somente do mercado de petróleo, mas também em relação à falta de um acordo entre Estados Unidos e China, o que afeta o crescimento econômico do mundo e os mercados de commodities e de equity [ativos reais]. Isso tem implicações para o futuro da demanda de petróleo. Hoje a demanda não só é frágil, mas incerta. Vimos, por outro lado, uma nova capacidade de produção que considera o shale gás nos Estados Unidos e sua interação com os países da Opep e desta com a Rússia. O que tem ocorrido é uma redefinição sobre como funciona o mercado de petróleo hoje entre incertezas relacionadas a questões geopolíticas e econômicas.

Valor: Mas essa dinâmica já existia. O que mudou?

Pascual: Temos visto cada vez mais a necessidade de participação de investidores privados. O ataque à Saudi Aramco representa para a empresa saudita outro desafio, que é o seu IPO. A companhia precisa convencer o mercado e mostrar que ainda tem a capacidade de continuar no mercado e avançar na abertura de capital. Nesta semana haverá uma reunião da Saudi Aramco com investidores e um dos temas principais é como a Arábia Saudita pode assegurar que vai continuar a avançar com investimentos no país em ambiente em que há insegurança e incerteza. Essa é uma parte nova da equação. Cito outro ponto: se olharmos do ponto de vista de segurança, há três países - EUA, Rússia e China - que têm uma capacidade militar assimétrica em relação a outros países. Quando se passa de um mundo de capacidade militar convencional ou nuclear para um mundo de ameaças cibernéticas e o uso de drones, essa diferença [entre os países] diminui pelo custo e acesso de tecnologia. Mas cria-se outra assimetria porque o uso dessas ferramentas é baixo, mas o impacto pode ser enorme. Passa-se, assim, de uma assimetria de poder para uma assimetria de impacto que leva os países a mudar a forma como pensam sua segurança. EUA, Rússia e China vão ter que pensar a segurança para o futuro. Países democráticos e abertos idem, pois podem ser mais vulneráveis. Quais são as implicações para o setor energético, não só petróleo e gás, mas refinarias, plantas de geração de energia, usinas nucleares? Há uma vulnerabilidade contra a qual é muito difícil se defender. É algo que não tínhamos visto de modo tão profundo antes da Aramco.

Valor: A abertura de capital da Saudi Aramco está mantida?

Pascual: Vão seguir avaliando. Estão usando o petróleo para facilitar os recursos necessários para fazer outros investimentos que os ajudem a diversificar a economia.

Valor: A Opep avalia cortar 1,2 milhão de barris/dia. Haverá efeitos nos preços a curto prazo?

Pascual: A parte mais difícil dessa equação é a demanda. As petroleiras têm controle sobre a parte da produção, volume de investimento e equipe de perfuração, por exemplo. Mas o outro lado do mercado pode depender de muitas coisas. Hoje uma das principais é se haverá um acordo entre EUA e China e o que ele vai abarcar. Pode ser que haja um acordo-ponte [transitório]. Isso pode ser reforçado pelo interesse do presidente dos EUA [Donald Trump] de se reeleger. Do lado de China, é preciso ver como o acordo pode afetar crescimento econômico e a capacidade de exportar.

Valor: A morte do líder do Estado Islâmico terá efeito de curto prazo no mercado de petróleo?

Pascual: Não tem impacto imediato no mercado. O assunto principal vai ser como vai evoluir o balanço de segurança no Oriente Médio, como vai afetar os produtores de petróleo e se vai criar mais certeza.

Valor: Vê com preocupação o momento que vive a América Latina?

Pascual: Temos visto protestos por toda a região por fatores distintos. Pode ser o preço da gasolina ou o preço do transporte. Os protestos indicam um nível de preocupação com a iniquidade social. Vamos ver mais desse tipo de protesto. As condições podem ser distintas, em diferentes países, mas as tendências são as mesmas. A questão é como reagir de uma maneira construtiva para controlar essas preocupações e resolvê-las.

Valor: Algo parecido ao Chile pode acontecer no Brasil?

Pascual: Creio que ninguém tem essa resposta. Quem teria imaginado, quando esses protestos começaram no Chile, que um dos resultados seria o presidente pedir desculpas e destituir o gabinete? É quase impossível de prever.

Valor: O Brasil retomou as vendas de áreas de petróleo e terá agora o leilão do excedente do cessão onerosa. Como avalia o interesse dos investidores no Brasil?

Pascual: O Brasil tem os recursos petrolíferos offshore mais produtivos do mundo, quando você pensa que um poço [no pré-sal] pode ter produtividade de 60 mil barris por dia. No Golfo do México, é algo como 12 mil a 13 mil barris por dia. São quatro vezes mais. Outra parte fundamental foram as reformas dos últimos dois anos, abrindo a possibilidade de haver outros operadores [no pré-sal], não somente a Petrobras. A renovação do Repetro deu ao investidor uma confiança de que o investimento pode ser competitivo em comparação com outros países. Outro ponto importante foram as mudanças de requisitos de conteúdo local, que foram equilibrados de modo a atender às necessidades do Brasil, mas sem exigência que torne impossível produzir a custo competitivo.

Valor: O Brasil está em uma posição privilegiada em relação a outros países da região quando se olha para investimentos em petróleo?

Pascual: O que está em oferta no Brasil no dia de hoje não tem comparação com qualquer outro país na América Latina. É claramente o mais atrativo que há em toda a região. E diria que, para o offshore, se não é o mais atrativo, é uma das ofertas mais atrativas que estão no mercado globalmente.

Valor: O que podemos esperar para o Brasil no futuro como produtor e exportador de petróleo?

Pascual: Primeiro que não será apenas produção de petróleo, mas produção de gás. Esse será um fator importante para o Brasil. Será como assegurar que o gás seja competitivo no mercado. Vai ser importante porque, com a preocupação com a mudança climática e a emissão de dióxido de carbono, há movimento para mais uso de gás nos sistemas energéticos. Uma coisa fundamental para resolver essa questão não é somente a produção, mas o escoamento e como assegurar que o gás seja competitivo. Um ponto forte que o Brasil tem é que o desenvolvimento não será de apenas uma companhia, mas vai ser um desenvolvimento com sócios que virão de todo o mundo, que terão interesse de poder seguir desenvolvendo esse recurso, trazer os materiais e a melhor tecnologia. A aplicação da tecnologia digital, para reduzir custos, vai ser fundamental para a produtividade e a competência. Será importante e necessário atrair não somente investidores privados, mas que tragam com eles as melhores tecnologias. Outro assunto tem haver com a mudança climática. Há uma pressão por redução de emissões. É algo que teremos que fazer para sobreviver como planeta. Para o Brasil, como todos os países petroleiros, vai haver uma combinação de desafios. Um deles é como utilizar o petróleo para diversificar a economia. O mundo vai ter que descobrir cerca de 40 milhões de barris/dia para o ano de 2040, para responder ao crescimento de demanda. O desafio é, de um lado, reduzir emissões, proteger o planeta e facilitar a transição energética para sistemas com menos uso de dióxido de carbono. De outro lado, o desafio é fornecer os hidrocarbonetos que serão necessários para apoiar o crescimento econômico da maneira mais eficiente possível.

 

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Brasil veio para ficar no mercado de petróleo, diz AIE


País será um dos responsáveis pelo aumento da oferta até 2030, sinaliza agência de energia


Por André Ramalho e Rodrigo Polito

Com os recordes sucessivos de produção no pré-sal, o Brasil será um dos pilares de sustentação do crescimento da oferta mundial de petróleo até 2030, atrás apenas dos Estados Unidos, estima a Agência Internacional de Energia. Diretor-executivo da AIE, o economista turco Fatih Birol conta que o Brasil “veio para ficar” como um dos principais supridores da commodity no mundo e que o megaleilão dos excedentes da cessão onerosa, marcado para dia 6 de novembro, será “certamente um das maiores da história do setor”.

Em meio às tensões no Oriente Médio, após os ataques por drones às instalações sauditas, em setembro, ele acredita que a produção crescente do Brasil se trata de uma “adição bem-vinda à oferta internacional”, por trazer mais diversidade de suprimento ao mercado, contribuindo para a segurança global do petróleo. “Mas a Arábia Saudita continua sendo um importante exportador global”, ressalvou o executivo, em conversa exclusiva ao Valor, por e-mail.

A agência estima que o Brasil acrescentará mais 1,2 milhão de barris diários de óleo à oferta global até 2024, o que representaria um aumento de 45% frente aos níveis produzidos pelo país em 2018. Segundo Birol, ainda é cedo para afirmar se o atual ritmo de crescimento brasileiro se manterá na segunda metade da próxima década. A tendência, contudo, é de alta.

“Graças às mudanças no marco regulatório, esperamos que a produção do Brasil cresça muito fortemente nos próximos anos. A próxima rodada de licitações dos excedentes é, certamente, uma das maiores da história do setor global de petróleo e o alto nível de interesse é um reconhecimento dos esforços do Brasil [nas reformas regulatórias] nos últimos anos”, comentou o executivo, em referência ao leilão que ofertará de 6 bilhões a 15 bilhões de barris, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Sobre a quebra do monopólio do refino, Birol vê com cautela as perspectivas de que a abertura do setor desencadeie em novas refinarias. “Globalmente, vemos poucos investimentos em refino fora da Ásia e do Oriente Médio”, disse.

Birol veio ao Brasil para apresentar uma palestra sobre a transição energética, hoje, na Offshore Technology Conference (OTC), no Rio. Embora as grandes multinacionais do setor estejam aumentando seus investimentos em renováveis, o executivo ainda vê um papel relevante para as petroleiras nas próximas décadas, já que o mundo ainda “precisará de óleo e gás por muitos anos”.

“A demanda [por petróleo] não desaparecerá da noite para o dia. No longo prazo, porém, as petroleiras verão oportunidades para [usar] seus conhecimentos técnicos e recursos financeiros na mudança gradual em direção às energias renováveis e à economia de baixo carbono”, comentou.

O economista turco vê com certo ceticismo o alcance das metas do Acordo de Paris, de 2015. A AIE mapeia como a indústria de energia está progredindo rumo ao cumprimento da meta climática e de compromissos como o acesso universal à energia e a redução substancial da poluição do ar nas cidades. Dos 45 setores críticos rastreados pela agência, apenas sete estão no “caminho certo”. “Se levarmos em consideração todas as políticas existentes e anunciadas em todo o mundo que analisamos, o mundo não está no caminho de reduzir as emissões, de acordo com o Acordo de Paris”, disse Birol.

Com o aumento da frota de carros elétricos, a AIE acredita que o setor de transporte deixará de ser o principal impulsionador da demanda global po petróleo. “[Os petroquímicos] devem responder por mais de um terço do crescimento do consumo até 2030 e quase a metade até 2050, à frente de caminhões, utilitários esportivos, aviação e transporte marítimo”, afirmou.

Embora a AIE não publique projeções de preços, Birol disse ainda que não vê perspectivas de uma valorização acentuada do barril até meados de 2020, exceto se houver uma crise geopolítica. Ele lembrou que o mercado mundial passa por uma desaceleração. Ainda assim, a demanda global de petróleo deve crescer, anualmente, mais de 1 milhão de barris/dia no médio prazo.