Valor Econômico, v. 20, n. 4900, 13/12/2019. Empresas, p. B1
 

Investigação aponta causa de ruptura da barragem
 Letícia Fucuchima
 Francisco Góes 

 

A barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG) se rompeu, em janeiro deste ano, como resultado de um fenômeno conhecido como “liquefação estática” de rejeitos. O termo é usado para descrever situações em que há uma perda súbita de resistência de solos fofos, como a areia, provocando deslizamentos motivados por algum distúrbio. Dada as condições da estrutura da Vale, a ruptura foi estimulada por dois gatilhos: a perda de sucção dos rejeitos acumulados e o efeito “creep”, uma espécie de lenta deformação de materiais sob carga constante.

A conclusão é de um estudo de peritos externos contratados pela assessoria jurídica da Vale para apurar as causas técnicas da ruptura da barragem, que colapsou de forma repentina, por volta de 12h28 do dia 25 de janeiro, deixando 270 vítimas, das quais 13 ainda não foram encontradas. A ruptura da barragem B1 da mina de Córrego do Feijão deixou um rastro de destruição socioambiental na região de Brumadinho.

No documento divulgado ontem, o grupo de especialistas descarta que ações humanas, como furos para instalação de equipamentos, estejam entre os gatilhos do rompimento da estrutura. Também foram descartados sismos e detonações de minas a céu aberto como motivações para a ruptura da barragem. “Nenhum sismo foi registrado na região no dia do rompimento. Embora tenham ocorrido detonações nas minas a céu aberto na área, não houve detonação registrada pelo sismógrafo mais próximo da Barragem I no dia 25 de janeiro de 2019, antes do rompimento. Portanto, sismos e detonações não foram os gatilhos do rompimento”, diz o relatório.

A equipe técnica também classificou o evento como “único”. Embora a liquefação também tenha sido apontada como causa do desastre de Mariana (MG), em 2015, de responsabilidade da Samarco - empresa controlada por Vale e BHP Billiton -, as situações não são comparáveis, afirmou Peter Robertson, um dos responsáveis pelo estudo, em coletiva de imprensa. Em vídeo gravado e que faz parte das investigações técnicas sobre o rompimento da barragem, Robertson evidenciou a dificuldade de lidar com uma estrutura como essa, construída em 1976 pelo método de alteamento a montante, o mesmo utilizado em Mariana.

Erguida pela Ferteco, empresa que terminou sendo incorporada pela Vale, a B1 passou por dez alteamentos ao longo de sua vida e, embora não recebesse rejeitos desde julho de 2016, era uma barragem “muito íngreme e úmida”, nas palavras de Robertson. Mesmo com esforços para reduzir o nível de água na estrutura, os efeitos desse trabalho eram lentos. “A água é o inimigo em uma barragem como essa”, disse Robertson em um trecho do vídeo. Segundo ele, manter a estabilidade da barragem era um “desafio contínuo”.

Conforme o painel de peritos, portanto, a combinação de barragem íngreme construída a montante, alto nível de água na estrutura, rejeitos finos e fracos - sobretudo por um efeito de “cimentação” - geraram as condições para o rompimento de Brumadinho. Os trabalhos identificaram que as fortes precipitações entre outubro de 2018 e janeiro deste ano podem ter agravado a situação da barragem, que carecia de drenagem interna “significativa”.

O estudo dos peritos foi baseado em uma série de documentos, como imagens de drones e câmeras de vídeo e o próprio histórico do projeto da barragem, assumida pela Vale em 2001. Segundo Robertson, a Vale realizou investigações geotécnicas “detalhadas” após ter se tornado responsável pela barragem do Córrego do Feijão, e vinha tomando medidas para “melhorar a estabilidade” da estrutura. Ele observou, porém, que a companhia podia não estar ciente da fragilidade dos rejeitos. O estudo diz ainda que não foram notadas deformações ou alterações significativas na barragem antes do rompimento.

Ontem, depois de o relatório do painel de especialistas ter se tornado público, a Vale emitiu posicionamento afirmando que recebeu ontem mesmo o relatório final, e destacou que, desde o rompimento da barragem, tem realizado ampla investigação técnica nas suas estruturas, com foco nas barragens a montante, em tese “susceptíveis ao risco de liquefaçã". A empresa destacou que monitora 92 barragens 24 horas por dia. A empresa também informou que vai fornecer cópias do relatório final do painel de especialistas e de seus anexos a autoridades públicas, empresas de consultoria e auditorias. A companhia vai revalidar ensaios de campo e projetos de engenharia em barragens a montante à luz do relatório divulgado ontem.

Os peritos deixaram claro, porém, que se focaram nas causas técnicas do rompimento por não serem especialistas em gestão corporativa e de riscos. Apesar de a Vale estar fazendo esforços, desde a tragédia, para aprimorar seus requisitos nas áreas social, ambiental e de governança, o relatório dos peritos não elucida por que a mineradora não foi  capaz, do ponto de vista da gestão de riscos, de antecipar o eventual colapso da estrutura, que ocorreu mesmo com a barragem sendo monitorada de forma contínua com o uso de tecnologias.