Valor Econômico, v.20, n. 4868, 29/10/2019. Política p.A9

 

Congresso articula propor desoneração e isenções para destravar reforma tributária


Parlamentares e técnicos já trabalham na formatação de dois projetos, sobre desoneração da folha e isenções, que tramitariam em paralelo à reforma tributária


Por Marta Watanabe, Malu Delgado e Carolina Freitas

 

Para fazer avançar as discussões sobre reforma tributária, parlamentares, consultores legislativos e representantes do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) estão formatando dois projetos de lei que poderão tramitar paralelamente às propostas de emenda constitucional: um para desoneração de folha de pagamentos e outro para definir isenções e tratamentos diferenciados do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) a determinados segmentos.

Esses projetos de lei poderão destravar resistências em relação à PEC 45, que tramita na Câmara, e facilitar a convergência de um acordo com o Senado para formatação de uma proposta única das duas Casas, incorporando sugestões da PEC 110.

Apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), o texto da PEC 45 foi elaborado pelo CCiF e tramita na Comissão Especial da Câmara, com relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). No Senado, há outra proposta de reforma tributária, a PEC 110, cujo relator é o senador Roberto Rocha (PSDB-MA).

Segundo tributaristas e parlamentares que acompanham a tramitação da PEC 45, estão em debate a isenção para transporte público e faixas de tributação diferenciadas para saúde, educação e construção civil. A ideia é ter um texto definido de projeto de lei complementar até meados de novembro. Em relação à folha, para atender a pressões do setor de serviços, o grupo de técnicos detalha uma proposta de desoneração de R$ 80 bilhões por ano.

Em comum, as duas PECs em tramitação no Congresso propõem a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que reuniria pelo menos cinco tributos: os federais IPI, PIS e Cofins, além do ICMS recolhido pelos Estados e do ISS arrecadado pelos municípios. Além desses cinco tributos, a PEC 110 também inclui a CSLL no IBS.

Nos dois textos o IBS segue o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), com tributação no destino e não cumulativo.

“Não aceito que a reforma tributária não tenha a mesma relevância da reforma administrativa”, disse ontem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) durante palestra a empresários em São Paulo, em evento sobre reforma tributária promovido pela revista “Voto”. “Haverá muita dificuldade na Câmara de avançar na reforma administrativa se não avançarmos na tributária”, avisou Maia.

Apesar de já ter assegurado que o Congresso analisaria uma proposta única de reforma tributária, Maia deixou incertezas no ar, ontem: “Não temos problema em que a Câmara e o Senado possam trabalhar juntos ou que cada uma das duas Casas possa aprovar um projeto”, afirmou. O fundamental, acrescentou, é que a reforma traga uma simplificação tributária e que não altere a carga tributária real no Brasil.

Maia disse que não seria “justo” fazer as mudanças previdenciária e administrativa, mas não tratar do sistema tributário. Segundo o deputado, com a reforma tributária todos os brasileiros passarão a pagar impostos e vai se alterar o cenário em que se tributa mais bens e consumo do que a renda. “A gente tributa mais os brasileiros mais simples do que os mais ricos”, disse Maia.

O relator da reforma tributária na Câmara, Aguinaldo Ribeiro, admitiu que esses novos projetos estão sendo avaliados: “No IBS queremos avançar para temas de desoneração e talvez alguma questão de renda. Em termos de isenção, o que avaliamos é criar imunidade em alguns sistemas que já existem e são mais complexos”. O deputado participou do mesmo evento que Maia em São Paulo.

“A gente está estudando qual vai ser o impacto, porque tudo tem impacto, temos que avaliar o custo, fazer contas”, disse. Segundo o relator, as mudanças em estudo não vão tratar apenas do IBS: “Estamos pensando alto, estudando”, afirmou o relator.

Na PEC 45, o IBS teria alíquota única, estimada atualmente em 25%. A alíquota vem sendo alvo de resistência de vários segmentos, principalmente do setor de serviços. Como a definição de alíquotas não seria feita por meio da PEC e sim na regulamentação, por lei complementar, a estratégia é já discutir possíveis tratamentos diferenciados do IBS em um projeto de lei paralelo.

Relator da PEC 110, o senador Roberto Rocha defende não apenas a isenção de transporte público urbano, mas também da tarifa social de energia e telefonia e do botijão de gás de cozinha para a população de baixa renda, entre outros itens. “O sistema tributário atual só agudiza as nossas diferenças regionais e desigualdades sociais”, pontua o senador.

Representantes dos segmentos de serviços têm argumentado que o IBS, conforme previsto na PEC 45, traria aumento de carga tributária. Dos cinco tributos que devem ser reunidos no IBS, o setor de construção civil, por exemplo, recolhe três: PIS, Cofins e ISS. O setor paga hoje até 8,65% sobre receita com esses três tributos.

O IVA de 25%, alega o setor, aumentaria a carga, mesmo permitindo o crédito do imposto pago nos insumos. Isso porque a mão de obra, um dos maiores insumos do setor, não dá direito a crédito. Impacto semelhante se repete em outros setores de serviços, inclusive saúde e educação.

Além das discussões sobre esses projetos paralelos, líderes parlamentares ainda alimentam esperanças de viabilizar, até o final desta semana, a criação de uma comissão especial mista para discutir um texto único de reforma tributária.

Deputados e senadores envolvidos nas discussões técnicas consideram que essa semana será decisiva para que as negociações avancem. A votação da reforma da Previdência, segundo admitiu uma dessas lideranças ao Valor, dificultou o andamento de um acordo entre as duas Casas. Agora, diante do compromisso da equipe econômica de enviar nos próximos dias propostas de reformas do pacto federativo, administrativa e tributária, a comissão mista pode finalmente se concretizar. As duas Casas dividiriam o protagonismo ao analisar, a partir de agora, reformas distintas, como a tributária e temas do pacto federativo.

A ideia articulada, até o momento, é que a comissão mista seja criada até o final desta semana e receba a proposta que o governo federal enviará ao Congresso, cuja data prevista é 10 de novembro. A equipe econômica não vai propor a unificação de impostos federais com o ICMS, segundo apurou o Valor.

Porém, a intenção do Congresso é prosseguir com a ideia de criação do IBS, o que é um consenso tanto na Câmara quanto no Senado e também entre os secretários de Fazenda estaduais.

Se a comissão mista vingar no Congresso, o relator da proposta de emenda constitucional (PEC) seria um deputado e o presidente, um senador. Ainda que Senado e Câmara unifiquem as propostas, o novo texto teria que passar novamente pela comissão especial da Câmara e também pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Um acordo, no entanto, facilitaria muito o ambiente político, já que as duas Casas estariam comprometidas com a tramitação da reforma.

Para os relatores das duas PEC, cabe a Rodrigo Maia e ao presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), chegarem a um acordo sobre a comissão mista. Na opinião de Aguinaldo Ribeiro, o colegiado misto seria um sinal político em prol da reforma tributária.

 

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STF confirma mudanças de 2003


Ainda há seis ações para serem julgadas relativas às mudanças constitucionais de 1998


Por Isadora Peron

Após 15 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) que questionava a reforma da Previdência aprovada em 2003. Por unanimidade, os ministros julgaram improcedente o pedido. A resposta da Corte acontece no momento em que entidades que representam juízes e procuradores de todo o país preparam uma ofensiva jurídica contra a nova PEC que alterou as regras da aposentadoria, cuja tramitação no Congresso foi concluída na semana passada.

Após a aprovação da reforma de 2003, a AMB entrou com uma ação no Supremo em agosto de 2004. O julgamento, no plenário virtual da Corte, porém, aconteceu somente entre os dias 4 e 10 de outubro deste ano. O acórdão (resultado) foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico (DJE) da última sexta-feira.

A reforma de 2003 foi promovida pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e teve como foco o funcionalismo público. Entre as mudanças estabelecidas, a Emenda Constitucional 41 alterou o cálculo dos benefícios e passou a cobrar 11% de contribuição previdenciária dos servidores já aposentados.

Na época, a AMB argumentou que as alterações violavam o princípio da autonomia administrativa e financeira dos tribunais e o da independência do Poder Judiciário, a quem caberia fixar a remuneração e os subsídios de seus integrantes.

Segundo levantamento da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), ainda tramitam no Supremo outras seis ADIs movidas por entidades ligadas a magistrados e que questionam as reformas da Previdência aprovadas no passado, a maioria dela em relação às mudanças no sistema promovidas em 1998.

Mesmo diante do recente revés, representantes da AMB, da Ajufe e de outras associações vão se reunir hoje para traçar uma estratégia para acionar o STF após a promulgação da nova reforma - o que deve acontecer nas próximas semanas.

Segundo a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, o grupo já decidiu que vai questionar as novas regras, só falta definir quais pontos serão levantados e decidir se o grupo vai entrar com uma única ADI ou se cada entidade vai abordar um artigo diferente na Corte.

Organizações que representam procuradores, como Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), também vão participar da reunião para debater o assunto.

Entre os pontos que devem ser questionados pelas entidades está a progressão da alíquotas previdenciárias. O argumento é que, somadas à taxação do imposto de renda, o percentual terá um caráter quase “confiscatório”, tomando praticamente metade da remuneração dos funcionários públicos.

Outro ponto considerado injusto pelos servidores são as regras de transição aprovadas. As entidades também levarão ao Supremo a discussão sobre a redução da pensão por morte, que ficou reduzido a 50% do valor da remuneração, além de 10% por dependente.

Ao todo, a reforma da Previdência altera regras de aposentadorias e pensões para mais de 72 milhões de pessoas, entre trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos federais.

Agora, quem receber um salário maior terá que contribuir mais - até 14% no INSS e até 22% no serviço público, para quem receber acima do teto constitucional de R$ 39,2 mil.

Com a reforma, o país passa a ter uma idade mínima para aposentadorias, de 65 anos, para homem, e 62 anos, para mulher. Quem já está na ativa poderá contar com diferentes regras de transição. A equipe econômica do governo Jair Bolsonaro estima que a economia, com as novas regras, será de R$ 800 bilhões nos próximos dez anos. A previsão inicial era de um alívio fiscal de mais de R$ 1 trilhão.