Valor Econômico, v.20, n. 4868, 29/10/2019. Valor invest p.E1

 

O novo normal nos juros brasileiros


Mudança incentiva revisão das estratégias dos investidores, principalmente pessoas físicas, que passaram a buscar melhores retornos, ainda que em níveis inferiores ao número mágico de 1% ao mês da renda fixa do passado


Por Nilton Cestari Junior

Não é mais novidade para ninguém a mudança para um “novo normal” na taxa de juros básica no Brasil. Vivenciamos uma redução da Selic de quase dois dígitos em pontos percentuais desde 2016, quando a taxa se situava em 14,25% ao ano.

Os dois dígitos de taxa, que garantiam algo próximo a 1% de rentabilidade mensal sem grandes esforços, já é algo do passado há algum tempo e, diferentemente de 2012, não parece razoável supor que voltemos a ver a Selic em dois dígitos nos próximos dois ou três anos, o que reforça a ideia de que temos um novo normal.

Em virtude disso, temos observado movimentos importantes na revisão das estratégias dos investidores, principalmente pessoas físicas, que passaram a buscar melhores retornos, ainda que em níveis inferiores ao número mágico de 1% ao mês. É interessante também notar que algumas empresas - principalmente aquelas do segmento “middle corporate”, muitas de gestão familiar - passaram a considerar uma pequena alocação em fundos multimercado como algo desejável em sua (também nova) política de investimentos.

No Brasil, com os juros no atual nível, qualquer ponto adicional de taxa de administração faz diferença no retorno de fundos em termos percentuais do CDI, que já tem sido questionado por muitos como “benchmark”.

Com essa contração dos rendimentos da renda fixa e a revisão das estratégias de investimentos, fundos multimercado e de renda variável têm apresentado crescimento substancial de captação líquida nos últimos 12 meses. Segundo o ranking de gestão da Anbima de setembro (apenas instituições financeiras e assets), foram R$ 61,6 bilhões captados nos multimercados e R$ 52,2 bilhões nos fundos de ações (sem ETFs), representando 28% e 23,8%, respectivamente, do total de R$ 219,9 bilhões captados por toda a indústria de no último ano corrido. No período, os fundos de renda fixa tiveram captação líquida negativa de R$ 274 milhões.

Certamente, muito desses recursos estão migrando da renda fixa e, provavelmente, esse movimento está sendo feito por algumas pessoas/empresas que até então não haviam experimentado o comportamento mais volátil, e natural, desses mercados.

Não à toa, tem aumentado também o número de fundos de investimento dessas categorias, com o surgimento, nos últimos anos, de vários “novos” gestores, em busca de independência e foco de atuação em determinados nichos de mercado, passando a explorá-los na tentativa de atrair os recursos de investidores que, em busca de melhores retornos, estão migrando da renda fixa.

Em dezembro de 2016, haviam 7.318 fundos multimercado e 1.755 fundos de ações, considerando fundos de investimento e fundos de investimento em cotas de outros fundos (FI e FIC). Em setembro de 2019, segundo o consolidado histórico da Anbima, são 9.174 fundos multimercado e 2.229 de ações, o que representa um crescimento de 25,4% e 27% no número de fundos dessas categorias, respectivamente.

Para se ter uma ideia, no mesmo período os fundos de renda fixa tiveram um incremento de apenas 0,3%, saindo 2.539 para 2.546 fundos.

Observamos algo semelhante quando comparamos a evolução das taxas de administração médias totais desses fundos, ainda segundo os dados do consolidado da Anbima, referentes a setembro de 2019. Enquanto as taxas dos fundos de renda fixa e multimercado tiveram um pequeno acréscimo, de 1,02% para 1,03% e de 1,81% para 1,82%, respectivamente, entre dezembro de 2016 e setembro de 2019, as taxas para os fundos de ações subiram de 2,07% a 2,18% no período. No entanto, o que chama a atenção é a evolução dessas taxas para fundos com aplicação mínima igual ou maior que R$ 100 mil, destinados a investidores que costumam ter acesso às menores taxas do mercado.

Nesse nicho, considerando o mesmo intervalo de tempo, houve incremento de 0,53% para 0,54% para os fundos de renda fixa, enquanto as taxas subiram de 1,83% para 1,87% nos fundos multimercado e, em um movimento mais expressivo, passaram de 1,90% para 2,34% nos fundos de ações.

Com base nas informações acima não é difícil concluir que estamos experimentando também um novo normal na indústria de fundos, em que os produtos com maior risco têm conseguido atrair cada vez mais recursos, em uma quantidade maior de fundos e, o mais interessante, com taxas de administração mais altas, aumentando a remuneração dos gestores que conseguem atrair parte dos recursos que antes iriam apenas, ou em grande parte, para a renda fixa.

Isso traz, sem dúvida, um desafio para os gestores de recursos de fundos multimercado e de ações, cujos desempenhos terão de justificar o custo, em geral mais elevados, dos produtos que buscam entregar maiores retornos aos cotistas.

Do ponto de vista dos cotistas, o desafio é se acostumar à elevação da volatilidade em suas carteiras, também um novo normal, na busca por retornos mais próximos de um passado cada vez mais distante.

Aos que, como eu, estão na área comercial representando esses gestores e em contato direto com os investidores, o desafio é assessorar a cada um, sejam eles pessoas físicas ou empresas, nessa travessia para o novo normal, prestando uma consultoria especializada e focada no interesse de cada cliente, gerando valor a essas pessoas.