Valor Econômico, v. 20, n. 4901, 14/12/2019. Brasil, p. A5
Com PEC, 8 Estados já poderiam cortar salário
Marta Watanabe
Se a PEC do Pacto Federativo já estivesse valendo, ao menos oito Estados - Tocantins, Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás - poderiam ter acionado no decorrer deste ano o gatilho para aplicar medidas de redução de gastos. Entre elas, a redução de jornada de trabalho em até 25%, com diminuição proporcional de salários. O levantamento é do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e considerou as despesas e receitas liquidadas em 2018.
Integrante do chamado pacote Mais Brasil, a PEC 188/2019 estabelece medidas de redução de despesas a serem aplicadas pelo Estado em situações de agravamento do quadro fiscal. No caso de Estados e municípios, isso se daria quando, no período de 12 meses, for apurada despesa corrente maior que 95% da receita corrente. A proposta foi encaminhada pelo governo federal ao Senado no mês passado.
A PEC 188 não especifica o critério de despesas e receitas correntes que Estados e prefeituras deverão considerar: se os valores empenhados, liquidados ou pagos. O levantamento considerou despesas e receitas liquidados, que indicam valores de bens e serviços orçados e já entregues ao poder público.
Vilma da Conceição Pinto, economista do Ibre/FGV, diz que o levantamento considerando despesas liquidadas mostram que o parâmetro sugerido pela PEC é uma métrica razoável no sentido de alcançar situações fiscais mais graves. Além dos oito governos estaduais que já poderiam acionar os gatilhos pelas contas de 2018, 12 Estados terminaram o ano com despesa corrente que variou de 90% a 95% da receita.
A melhor definição do conceito de receitas e despesas, porém, é importante, destaca a economista. Se for adotado o critério das despesas e receitas correntes pagas, por exemplo, somente o Estado do Tocantins estaria apto para acionar os gatilhos com base nos resultados de 2018.
A efetividade da aplicação das medidas, porém, não é garantida, avalia ela. Vilma explica que para a União os gatilhos são automaticamente acionados nas situações definidas pela PEC como de “emergência fiscal”. No caso de Estados e municípios, porém, governadores e prefeitos poderiam decidir se acionam ou não o gatilho. E uma vez decidido acionar, podem escolher quais medidas de redução de despesas adotar.
Entre as medidas para contenção de gastos mais contundentes, estão a redução de até 25% de jornada de trabalho, com diminuição proporcional de salários, e a suspensão de reajustes e também de promoções e progressões.
Vilma lembra que, além de serem decisões permeadas pela questão política, há também incerteza sobre qual seria o alcance efetivo delas. Ela exemplifica com a controversa redução de jornada e salários de até 25%. “É preciso lembrar que essa redução é de no máximo 25%, mas um governador pode decidir aplicar menos, se aplicar. Pode aplicar 10%.”
Outro detalhe importante é que a redução de jornada em algumas carreiras não é factível. Na carreira de professores e de policiais militares, por exemplo, a margem de redução é muito pequena sob pena de comprometer muito a qualidade do serviço público. E são as carreiras que mais costumam pesar na folha de salários dos Estados.
É preciso lembrar também, diz Vilma, que a ideia das medidas é de caráter emergencial, para serem aplicadas no curto prazo, em momentos de recessão. O ajuste fiscal dos Estados e sua sustentabilidade no longo prazo, diz, dependem de medidas estruturais, sendo que o ponto de partida é a reforma previdenciária. Algo, destaca ela, que até o momento está a cargo dos Estados e municípios e não se sabe em quais entes haverá iniciativa e capital político suficiente para concretizar.
De qualquer forma, diz Vilma, a PEC do Pacto Federativo traz avanços importantes para melhorar o controle e a gestão fiscal nos governos regionais. Uma das mudanças mais importantes, diz ela, está no dispositivo que amplia a responsabilidade pelo cumprimento de metas fiscais.
Segundo a proposta, se no decorrer do ano for verificado que a realização de receitas e despesas não permitirá o cumprimento das metas fiscais, o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública vão limitar suas despesas discricionárias.
Pela PEC, essa restrição deverá ser feita na mesma proporção da limitação aplicada às despesas não obrigatórias do Poder Executivo. Atualmente, explica Vilma, esse esforço fiscal nos Estados e municípios costuma se concentrar no Poder Executivo, o que faz com que a redução das despesas discricionárias tenha que ser maior para compensar os gastos dos demais poderes. Nesse sentido, a PEC resgata o espírito de alguns dispositivos da atual Lei de Responsabilidade Fiscal que não entraram em vigor porque foram suspensos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Outra mudança importante que a PEC faz é definir melhor o conceito de despesa de pessoal, o que visa evitar que os governos regionais alterem o resultado de indicadores fiscais. A proposta inclui expressamente, por exemplo, os pagamentos a pensionistas no cálculo dessa despesa.
Outra definição importante da PEC, diz Vilma, é a ampliação da competência do Tribunal de Contas da União (TCU), que poderá consolidar a interpretação de leis complementares que tratam de orçamento e finanças públicas. Mais do que isso, diz a economista, a proposta determina que as decisões do TCU nessa seara terão efeito vinculante em relação aos tribunais de contas dos governos regionais. Essa mudança, segundo Vilma, vai no mesmo sentido de medidas tomadas recentemente pela Secretaria do Tesouro Nacional para a uniformização das demonstrações contábeis dos governos regionais e para a apuração dos indicadores fiscais.