Valor Econômico, v. 20, n. 4901, 14/12/2019. Brasil, p. A9
 

Sem construtoras e BNDES, Brasil ajusta estratégia na África
 Daniel Rittner

 

O chanceler Ernesto Araújo encerrou sua primeira visita oficial à África - Angola, Nigéria, Senegal e Cabo Verde - redimensionando a política externa brasileira para o continente. Em vez de financiamento subsidiado e estímulo às grandes construtoras, uma abordagem focada em investimentos privados e abertura comercial, além de maior cooperação em questões de segurança.

O Brasil está perto de fechar um acordo de cooperação e facilitação de investimentos (ACFI) com a Nigéria, a exemplo do que já tem assinado com outros dez países. Também avalia o lançamento de tratativas comerciais com a Ecowas, sigla em inglês para a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, bloco que reúne 15 nações - como Senegal e Gana - e negocia em conjunto com outros parceiros.

Araújo esteve com o presidente da Ecowas (Cedeao em português), Jean-Claude Kassi Brou, na cidade nigeriana de Abuja, onde funciona o secretariado do bloco. Ouviu o interesse em negociar um acordo, que não precisa ser necessariamente de livre-comércio. Quando envolve países emergentes exclusivamente, as negociações podem dar preferências tarifárias(descontos mútuos nas alíquotas de importação) sem alcançar a cobertura mínima de 85% a 90% do comércio. O Brasil já possui entendimentos do tipo com países como México e Índia.

Essa abordagem, segundo o ministro, representa uma guinada no modelo sustentado pelo binômio crédito barato do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)-atuação de grandes empreiteiras.

Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e OAS ampliaram significativamente suas operações no continente africano ao longo dos últimos 15 anos, mas a presença das empresas recuou como consequência da Lava-Jato e do enxugamento do BNDES.

“Quem sabe um dia a gente volte com as construtoras, mas a integração econômica com a África é muito mais densa. Eles mesmos querem um novo modelo”, disse o ministro ao Valor, antes de embarcar de volta para Brasília, na sexta-feira, último dia do giro pelo continente, que durou toda a semana.

Araújo relatou que o interesse por investimentos privados no agronegócio, por absorção de tecnologia na área agrícola e para a compra de maquinário no campo foi uma tônica nas conversas.

Outro objeto de tratativas foi a “reativação” da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS), estabelecida a partir de uma proposta brasileira em 1986, a fim de evitar o desenvolvimento de armas nucleares ou de destruição em massa e de solucionar conflitos. O fórum é composto por 24 países com acesso ao Atlântico - Brasil, Argentina, Uruguai e 21 africanos - e ficou praticamente esquecido.

A intenção do Itamaraty agora é resgatar a ZPCAS como instrumento para maior cooperação entre as Marinhas, compartilhamento de dados e intercâmbio de informações financeiras. Não mais de olho em discussões sobre armamentos nucleares, mas para coibir o tráfico de drogas, a pirataria moderna e até o terrorismo.

O ministro disse ainda ter ouvido de seus interlocutores que o Brasil terá “responsabilidade-chave” no processo de estabilização e consolidação da democracia na Guiné-Bissau. Integrante da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), ela conheceu poucos momentos de normalidade política desde sua independência, em 1974. Houve quatro golpes,  várias tentativas e quedas de governos. No segundo turno das eleições presidenciais, em 29 de dezembro, o Itamaraty enviará diplomatas como observadores.

De acordo com Araújo, o presidente Jair Bolsonaro tem interesse em preparar uma viagem para a África em 2020. “Ele quer muito, já falamos sobre isso”, afirmou o chanceler. Uma janela de oportunidade poderia ser a próxima da CPLP, prevista para agosto, em Angola. De lá, Bolsonaro teria uma chance de esticar para outros países. “Vamos organizar.”