Valor Econômico, v.20, n. 4867, 28/10/2019. Política p.A12

 

Governo teme perder popularidade com vazamento de óleo no Nordeste


Há receio do derramamento durar meses e que prejudique a imagem de Bolsonaro não só no Nordeste, mas também junto à classe média urbana do Sul e Sudeste, que visita a região nas férias


Por Daniel Rittner e Matheus Schuch 

Ainda sem um horizonte claro de solução para o problema, auxiliares próximos do presidente Jair Bolsonaro já temem que a contaminação das praias no Nordeste por petróleo de origem desconhecida se estenda até as férias de verão e prejudique a imagem do governo não só entre o eleitorado nordestino, mas também junto à classe média urbana - segmento no qual o bolsonarismo tem mais aprovação.

Nos últimos dias, cresceu na Esplanada dos Ministérios o temor de que o vazamento possa estar vindo de algum navio - provavelmente clandestino - afundado no meio do Atlântico.

A possibilidade de naufrágio é descrita como “assustadora” no primeiro escalão do governo. “Um pequeno petroleiro carrega 60 mil toneladas de óleo”, diz um assessor presidencial, reconhecendo o clima de apreensão. Uma embarcação mais utilizada, segundo a Marinha, transporta de 300 mil a 400 mil toneladas. “Dá um calafrio só de pensar nisso.”

Até sexta-feira passada, haviam sido recolhidas em torno de mil toneladas de resíduos - o que inclui não apenas óleo, mas areia e outras substâncias, como algas. Isso dá uma dimensão de até onde o estrago pode chegar.

Há comparações com o caso do navio Prestige, que afundou a 550 quilômetros da costa da Galícia em 2002, carregado com 77 mil toneladas de fuel oil (óleo combustível pesado). O velho petroleiro sofreu uma rachadura no casco e “cuspiu” piche por várias semanas. As manchas se estenderam por centenas de quilômetros e atingiram até a França.

A inteligência do governo vê chances de insatisfação e mau humor na classe média, especialmente do Centro-Sul, que pretende passar as festividades de fim de ano ou as férias escolares de janeiro no litoral do Nordeste.

Até agora, a hipótese mais provável para a Marinha é de que o petróleo seja proveniente de um “dark ship” - embarcação que navega de forma irregular, geralmente levando carga não autorizada - ou de um navio regular que não tenha comunicado às autoridades eventual incidente.

Diante das críticas sobre o ritmo de atuação do governo no caso e da acusação de omissão feita pelo Ministério Público Federal (MPF), na última semana o governo enviou homens do Exército para a missão de limpar as praias. No dia do anúncio, o presidente da República em exercício, Hamilton Mourão, admitiu que o governo precisava dar “visibilidade” ao trabalho.

“Está acontecendo tipo assim: a gente está fazendo o trabalho e não está tendo visibilidade. Então vamos botar mais visibilidade nisso aí”, argumentou. O Exército foi acionado quase dois meses após as primeiras manchas aparecerem na orla, mas a Marinha garante que dedicou atenção ao caso desde 2 de setembro.

Enquanto a área militar do governo trata das investigações de forma técnica e cautelosa, Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já sugeriram que o derramamento seria proposital e envolveria ONGs.

Salles afirmou que o navio do Greenpeace navegava em águas internacionais na época estimada do derramamento, chamou a organização de “#greenpixe” e ironizou as “coincidências na vida”.

Um levantamento oficial indica que 156 municípios já foram ou são potencialmente atingidos. O óleo chegou a praias do Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Auxiliares de Bolsonaro admitem impacto econômico sobre a atividades pesqueira e turística, mas apontam o prolongamento da crise como muito preocupante.

 

 

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Desastre é sem precedentes no mundo


O vazamento de petróleo na costa brasileira tem três fatores que, combinados, o tornam único no mundo: extensão, recorrência das manchas e desconhecimento sobre a origem do desastre


Por Daniela Chiaretti 

 

O ineditismo do desastre do vazamento de petróleo que desde agosto suja a costa do Nordeste brasileiro é um complicador para limpar as praias e conter os múltiplos impactos socioambientais. “São três fatores, que, combinados, o tornam único no mundo: extensão, recorrência das manchas e ausência de poluidor conhecido”, diz Fernanda Pirillo, coordenadora geral de emergências ambientais do Ibama.

Paulista, trabalhando com emergências no Ibama há 14 anos, Fernanda se refere ao fato de que até hoje, dois meses depois das primeiras manchas terem alcançado a costa brasileira, não se conhecer a origem do vazamento.

A ação do Ibama, conta, começou em 1º de setembro, com um vazamento na Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras, em Pernambuco. “Fizemos uma vistoria na refinaria, e assim que as primeiras manchas de petróleo começaram a chegar, entre os dias 1º e 2 de setembro, os analistas do Ibama pensaram que poderia ter relação com o vazamento da refinaria”, relembra. Foram feitas novas vistorias e sobrevoos de helicóptero. “Constatou-se que, de fato, não teria como o petróleo ter saído de Abreu e Lima”, diz Fernanda. “A partir daí, continuamos acompanhando”, diz.

O efetivo do Ibama, contudo, está longe de dar conta da dimensão do problema. Na quinta-feira eram 107 servidores acompanhando as manchas de petróleo.

Para se ter uma ideia, só o governo da Bahia está empregando diariamente 120 servidores - entre bombeiros militares, técnicos do Instituto do Meio Ambiente e Recurso Hídricos e da Defesa Civil - nos serviços de retirada do óleo no litoral norte baiano. Nesta região já foram coletadas 237 toneladas de óleo. Na capital e nos municípios do sul do Estado, os esforços estão sendo feitos pelos próprios municípios.

“Estamos sendo muito cobrados em relação à proteção de áreas sensíveis”, continua a especialista. De fato, nos últimos dias, quatro ações do Ministério Público Federal em Sergipe, Alagoas, Bahia e Pernambuco pediram à União equipamentos e procedimentos para cuidar de zonas particularmente sensíveis, como manguezais, estuários e foz de rios.

“Fizemos um levantamento no Nordeste com base no Índice de Sensibilidade do Litoral a petróleo, que é dividido em dez categorias, sendo 10 a mais sensível”, explica Fernanda. Ela diz que, somando-se as regiões da costa do Nordeste com índices de 8 a 10, ou seja, muito sensíveis, chega-se a 86%. “A grande maioria da costa nordestina é constituída destes ambientes. Não há capacidade operacional para proteger 86% do Nordeste, uma área com mais de dois mil quilômetros de extensão”, diz.

“Existem barreiras de contenção, mas é preciso saber onde está o petróleo. Este é o grande problema: neste caso não se sabe de onde está vindo e é uma área muto grande”, explica a engenheira química Angela Uller, diretora de tecnologia e inovação da Coppe-UFRJ.

“Está tudo correndo perigo: os corais de Abrolhos, os peixes, a fauna marinha, tudo”, diz Angela. “É uma tristeza ver isso acontecer. Quando se sabe de quem é a culpa, a empresa sabe o que fazer. Quando não, é muito mais complexo”, reconhece. “Mas existe um despreparo em se enfrentar o desastre”, avalia a professora de engenharia química da Coppe-UFRJ.

Fernanda Pirillo, do Ibama, explica outra dificuldade para conter a mancha de petróleo: “O óleo deste acidente se comporta de maneira bem diferente do que os óleos que a gente espera ver em um derramamento.” Normalmente o petróleo fica na superfície da água quando vaza. “Todas as técnicas, equipamentos e respostas a um vazamento de óleo são pensados para recolher o material que está na superfície”, diz.

Em vazamentos no mar, a forma mais comum de se identificar como a mancha se movimenta é via imagens de radar. “O radar detecta a diferença de rugosidade na superfície. Quando tem um derramamento de óleo, a região afetada no mar fica mais lisa”, explica.

“O radar consegue detectar a diferença de rugosidade. Só que, neste caso, o óleo não está se comportando desta maneira, está em uma camada subsuperficial. Então não há diferença de rugosidade na superfície e, por este motivo, os radares não têm conseguido detectar nem a fonte e nem o deslocamento da mancha”, diz a especialista.

Segundo Fernanda, consegue-se detectar a mancha só quando está há alguns metros da praia. “Ou apenas na praia, justamente porque ela vem por baixo”, reforça. “Temos feito estudos e não há ainda uma lógica em qual ponto o óleo irá bater”, diz ela. Há alguns dias, as manchas surgiram tanto em Icapuí, no Ceará, como em Morro de São Paulo, na Bahia. “Por mais que estejam sendo feitos estudos, ainda nenhum pesquisador conseguiu prever para onde está indo o óleo, principalmente pela ausência do ponto de origem e pela falta de detecção do petróleo na superfície do mar”, explica.

Isso explica, na sua visão, a ineficiência das barreiras de contenção neste caso. “São equipamentos feitos e desenvolvidos para segurar o óleo que está na superfície da água. Só que, neste caso, o óleo se move abaixo da superfície. Então as barreiras são ineficazes para contê-lo”, diz ela.

“Além disso, criou-se uma ilusão de que elas funcionariam, por exemplo, tampando a foz de rios. Mas não funcionam nestas condições”, segue a especialista. As barreiras de contenção têm limitações operacionais de vento e de correntes. “Se forem instaladas em um rio com vazão muito alta, a barreira deita e o óleo passa por baixo.”

“Em uma condição em que não sabemos em qual ponto o óleo vai chegar, medidas de proteção se tornam inócuas”, diz Fernanda. “Estaríamos desviando recursos operacionais para proteger pontos que não sabemos ao certo se serão atingidos.”