Valor Econômico, v.20, n. 4867, 28/10/2019. Opinião p.A14

 

O necessário debate sobre a abertura econômica


O diálogo com o setor produtivo deve ser um dos pilares das relações entre o Estado e o mercado

 

Em seu discurso de posse, o presidente Jair Bolsonaro repetiu promessa feita durante a campanha eleitoral: “Precisamos criar um círculo virtuoso para a economia, que traga a confiança necessária para permitir abrir nossos mercados ao comércio internacional, estimulando a competição, a produtividade e a eficácia, sem viés ideológico”. Poucas semanas depois, a mensagem enviada pelo presidente ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura do ano legislativo, também foi clara ao assegurar que seu governo impulsionaria o comércio internacional. O objetivo apresentado foi o seguinte: “(...) para promover o crescimento econômico de longo prazo, em linha com a evidência na qual países mais abertos são também mais ricos” e, assim, vencer o desafio de “retirar o Brasil da condição de ser um dos países menos abertos ao comércio internacional”.

Desde então, o governo Bolsonaro avançou em alguns aspectos da abertura comercial, mas poderia ser mais ágil na apresentação de resultados. É preciso registrar a coparticipação das administrações anteriores nos avanços colhidos até agora. Um exemplo a ser citado é a assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, uma vez que as negociações se arrastavam há cerca de duas décadas.

Ainda levará tempo até que os efeitos desse acordo possam ser sentidos pelo setor produtivo e, sobretudo, pelos consumidores. Seu texto precisa receber o crivo dos poderes legislativos das partes envolvidas e, como se sabe, as relações do Brasil com alguns de seus parceiros históricos, como a França, andam lamentavelmente estremecidas.

Chamam a atenção, contudo, alguns esforços empreendidos pelo atual governo. Uma iniciativa recente nesse sentido foi a notícia da decisão política de se fazer uma proposta unilateral de abertura comercial.

Conforme revelou o Valor, na edição do dia 22, após obter simulação feita pelo governo brasileiro e compartilhada com os demais sócios do Mercosul, a proposta prevê corte unilateral das alíquotas do Imposto de Importação sobre produtos industriais de 13,6% para 6,4%, na média, em quatro anos. Se levada adiante, a medida deixaria o Brasil com níveis de proteção tarifária equivalentes aos dos países mais ricos do mundo.

O plano do Ministério da Economia e do Itamaraty é avançar nas discussões durante a cúpula presidencial do bloco, prevista para os dias de 4 e 5 de dezembro. A ideia é que o encontro seja realizado em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, com a presença do argentino Mauricio Macri, pouco antes da conclusão de seu mandato presidencial

A revelação das tratativas deu novo fôlego às críticas do setor produtivo sobre a suposta falta de diálogo com o governo federal. Frustrados e decididos a buscar formas de evitar alterações abruptas nas atuais condições de mercado, representantes da indústria procuraram interlocutores no Congresso e sinalizaram que a questão pode até ser levada à Justiça.

Para os industriais, uma fórmula mais sutil seria seguir o ritmo e a abrangência da abertura que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) exige de seus novos integrantes. A equação daria tempo suficiente para os vários setores da economia se prepararem para enfrentar a concorrência internacional. Quando isso ocorreria, não se sabe. As dúvidas aumentaram quando os Estados Unidos, parceiro fundamental do governo Bolsonaro no plano de fazer o Brasil entrar na OCDE, recentemente manifestaram apoio prioritário à Argentina e à Romênia.

Desde o governo de Michel Temer, que deu novo impulso aos esforços de abertura após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a área econômica possui estudos sobre os impactos da entrada de concorrentes estrangeiros nos mais diversos segmentos e regiões do país. Lá, já se falava numa abertura gradual que contemplasse o tempo necessário à adaptação e o aumento da competitividade brasileira.

Esse é o caminho a ser seguido. O Brasil precisa atacar as distorções que reduzem a competitividade da indústria, por exemplo, no sistema tributário e na precariedade da infraestrutura local. Mas esse processo não pode servir de obstáculo para barrar efetivos progressos na abertura, essenciais para melhorar a competitividade da economia.

O diálogo com o setor produtivo e a previsibilidade do processo decisório devem ser, por sua vez, os pilares das relações entre o Estado e o setor produtivo.