Valor Econômico, n. 4920, 16/01/2020. Empresas, p. B5

Petrobras encerra presença de quatro décadas na África
André Ramalho


Ao concluir a venda da PetroÁfrica, por US$ 1,45 bilhão, a Petrobras encerrou um ciclo de quatro décadas em território africano. Ao longo desse tempo, a estatal passou por dez países africanos diferentes, na maioria deles sem sucesso, numa trajetória que acompanhou por vezes o movimento da política internacional do governo brasileiro, demandou investimentos bilionários e foi parar, nos últimos anos, nas investigações da Operação Lava-Jato. Após sair do continente, a petroleira volta a sua atenção agora, no âmbito internacional, para a venda de ativos na América do Sul. Argentina, Bolívia e Uruguai são alguns dos alvos do programa de desinvestimentos da empresa.

Com a venda da PetroÁfrica, a Petrobras se desfaz de uma produção de 34 mil barris diários de petróleo. O volume é oriundo dos ativos da empresa na Nigéria e representa cerca de 1,5% da meta de produção da estatal para 2020.

O negócio representa mais um passo da estatal na estratégia de redução de sua presença no mercado internacional. Desde 2015, em resposta a sua crise financeira, a estatal já fez oito desinvestimentos no exterior, no valor de US$ 5,2 bilhões.

A petroleira saiu de países como Chile, Paraguai, Japão e Nigéria, mas ainda mantém uma base de ativos nas Américas, incluindo redes de distribuição de combustíveis no Uruguai e Colômbia e alguns ativos de exploração e produção de petróleo e gás natural na Bolívia, Estados Unidos, Argentina e Colômbia.

O próximo país a sair da base de ativos da Petrobras promete ser o Uruguai. A companhia já abriu o processo de venda de seus ativos de distribuição de combustíveis no país e fechou um acordo com o governo local para devolver as concessões de gás canalizado.

Na Argentina, a empresa caminha para se desfazer da MEGA, ativo de separação de gás natural. A Petrobras, contudo, ainda mantém uma fatia de 33,6% no ativo de exploração e produção de gás não convencional do Rio Neuquén.

Com a venda da PetroÁfrica, a produção internacional da estatal virá a partir de agora basicamente da Bolívia e do Golfo do México, nos EUA. O futuro da empresa no país vizinho, porém, é incerto. Isso porque a venda de ativos na Bolívia entrou no horizonte do plano de negócios 2020-2024.

Foi a primeira vez que a diretoria da estatal mencionou abertamente a inclusão dos ativos bolivianos no seu programa de desinvestimentos. A empresa não deu maiores detalhes sobre o negócio. No país andino, a petroleira detém fatia de 11% na GTB, proprietária da parte boliviana do gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), e contratos de produção nos campos de San Alberto e San Antonio.

Nesse contexto de venda de ativos, a Petrobras já se desfez, nos últimos cinco anos, de boa parte de sua carteira global construída ao longo das décadas passadas. As operações na África, por exemplo, remontam ao fim dos anos 1970, ainda no regime militar. O primeiro destino da petroleira brasileira foi Angola, em 1979, num contexto de uma década marcada pela independência do país africano e pelo segundo choque do petróleo - que estimulou as petroleiras internacionais a buscarem diversificar suas reservas.

O segundo passo de “africanização” da Petrobras só correu duas décadas depois, em 1998, já no governo Fernando Henrique Cardoso, quando a estatal brasileira entrou na Nigéria - país onde ela teve o seu maior sucesso no continente. Toda a produção da PetroÁfrica, nos anos mais recentes, vinha exclusivamente daquele país.

A internacionalização da Petrobras na década de 1990 ocorre num outro contexto de seus negócios, quando ela ainda não havia descoberto os grandes recursos do pré-sal. Sem expectativas de contar com suficientes reservas de óleo e gás no Brasil, a empresa saiu em busca de alternativas na África e Bolívia, por exemplo.

Foi nos anos 2000, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, porém, que a presença da petroleira no continente africano se acentuou. Presente até então na Nigéria e Angola, a Petrobras entrou na atividade de exploração de óleo e gás na Tanzânia (2004), Líbia (2005), Moçambique (2006), Guiné Equatorial (2006), Senegal (2007) e Namíbia (2009). Essa expansão, embora em menor medida, continuou no governo Dilma Rousseff, quando a empresa entrou no Gabão (2011) e Benin (2011). A exceção de Angola e Nigéria, a Petrobras jamais produziu nos demais países.

A expansão da Petrobras na África, nesse período, acompanhou os passos da política externa do governo Lula, que diversificou as relações internacionais do Brasil e pregava a cooperação Sul-Sul. O foco da Petrobras era nas atividades de exploração e produção de óleo e gás, mas em Moçambique a parceria também incluía os biocombustíveis.

Já no início dos anos 2010, com o pré-sal no centro do seu plano de negócios, a África começou a sair, aos poucos, do radar da estatal. Foi nesse contexto que, em 2013, a Petrobras formou uma joint venture (50%/50%) com o BTG, para investir, junto com um parceiro, e não mais sozinha, no desenvolvimento de um novo campo na Nigéria, que exigiria US$ 3 bilhões.

Sete anos depois, o negócio se encerra. Não sem parar, antes, nos relatórios da Lava-Jato. Uma das linhas de investigação de uma das fases da operação, desencadeada em 2019, aponta para possíveis ilícitos envolvendo a formação da joint venture com o BTG. A partir de análise de documentos apreendidos, foram identificados indícios de que o banco comprou em 2013 a sua parcela de 50% nos ativos da Petrobras na África por um valor “substancialmente inferior àquele que havia sido avaliado por instituições financeiras de renome no início do processo de venda”, segundo o Ministério Público Federal (MPF). De acordo com os investigadores, o preço dos ativos havia sido avaliado entre US$ 5,6 bilhões e US$ 8,4 bilhões.

 

O montante tomado como referência pelo MPF havia sido estimado por bancos em processo de potencial oferta pública inicial (IPO) da empresa na África e considerava premissas diferentes daquelas consideradas pelo BTG. Ao fim, a venda dos 50% da Petrobras na PetroÁfrica para a Petrovida foi concluída por praticamente o mesmo valor nominal que o BTG pegou à estatal, em 2013 - embora num cenário diferente de preços do barril do petróleo (que na ocasião superavam os US$ 100) e parte das reservas já consumidas.