Valor Econômico, v. 20, n. 4901, 14/12/2019. Brasil, p. A4

A misteriosa queda nas projeções do BC

 Alex Ribeiro

 

As projeções de inflação para 2020 divulgadas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tiveram uma leve queda, apesar de fatores que em tese deveriam ter contribuído para elevá-las. O esclarecimento desse pequeno mistério deve ocorrer na maratona de comunicação de política monetária que o BC faz nesta semana, com a divulgação da ata do Copom amanhã e do relatório de inflação na quinta.

A mensagem central do Copom foi bem absorvida. A autoridade monetária vai agir com mais cautela e, na hora de decidir por eventuais cortes de juros, vai pesar os dados disponíveis em cada reunião. Mas as projeções de inflação são parte da comunicação do Banco Central. Tão baixas, indicariam espaço para os juros caírem ainda mais. Tarifas podem puxar inflação para abaixo da meta em 2020.

Pelas estimativas do BC, a inflação projetada para 2020 ficaria em 3,5%, bem abaixo da meta de 4%, caso a taxa de câmbio fique entre R$ 4 e R$ 4,10. A inflação projetada para 2020 caiu, quando comparada com a reunião anterior, de outubro, que apontava 3,6%.

A diferença é pequena, mas há fatores que deveriam ter pressionado a inflação de 2020. O dólar subiu entre uma reunião e outra. Em outubro, o Banco Central usou uma cotação que cairia de R$ 4 para R$ 3,95 ao longo do tempo. A inflação está mais pressionada no curto prazo, devido a fatores como a alta do preço da carne. Em tese, uma inflação mais alta no curto prazo deveria levar a uma maior inércia inflacionária para o ano seguinte.

Uma questão é quanto dessa redução nas projeções de inflação se deve a oscilações de preços de curto prazo. O economista Carlos Thadeu de Freitas Filho, responsável pelo Termômetro da Inflação, da Ativa Investimentos, cita alguns fatores que podem ter contribuído para reduzir a projeção de inflação.

Um deles é a revisão, para baixo, na estimativa para preços administrados. Este ano está terminando com bandeira amarela para a tarifa de energia elétrica, em vez da verde esperada. “Isso aumenta a chance de uma redução de bandeira no ano que vem”, afirma. Ele também pontua que as revisões tarifárias da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deverão levar a reajustes negativos em 2020. Outro fator que deve estar pesando nas projeções mais baixas do BC é a mudança na ponderação que o IBGE anunciou para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Cada um desses fatores, afirma, ajuda a baixar a inflação projetada para 2020 em cerca de 0,15 ponto percentual. Também pode ocorrer em 2020 uma devolução parcial da alta do preço das carnes de 2019; e, dependendo da evolução do dólar, uma contribuição positiva no preço dos combustíveis. “Sem esses fatores, a inflação de 2020 seria projetada mais próximo de 4%.”

Embora temporários, esses vetores não deixam de ser uma surpresa positiva, que poderá aproximar a inflação aos patamares mais baixos observados antes da aceleração que ocorreu neste fim de ano.

Coube ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, encaminhar a extinção, por meio de uma medida provisória (MP) editada na semana passada, da Reserva Monetária, um fundo público usado para resgatar bancos em dificuldades financeiras nas décadas de 1970 e 1980. Por coincidência, o primeiro deles foi o Banco União Comercial, que teve Roberto Campos, seu avô, como o principal dirigente.

Quando já havia deixado o Ministério do Planejamento, no governo Castello Branco, Campos foi trabalhar no mercado financeiro, que no começo da década de 1970 vivia a popularização do mercado de ações. O União Comercial, ligado a um grupo petrolífero, surgiu com uma financeira e cresceu rapidamente com a aquisição de bancos. Grande demais, emprestou mal e enfrentou dificuldades para integrar as diferentes empresas.

Numa carta ao BC, que foi tornada pública recentemente junto com atas do Conselho Monetário Nacional (CMN), Campos relata problemas com a distribuidora Univest, que tinha 6,4 mil vendedores para bater de porta em porta e 84 luxuosos escritórios.

“A falta de critério permitiu que se incluísse no quadro [de vendedores] um número incrivelmente grande de elementos com antecedentes criminais”, relatou Campos. O União Comercial apresentou 60 denúncias por crimes como apropriação indébita e mais de mil acordos para restituir valores a investidores prejudicados por vendedores.

Nessa carta, Campos pede uma linha de empréstimo ao Banco Central, que já vinha concedendo volumes crescentes nas linhas de redesconto. O BC negou o auxílio e, em poucos dias, Campos deixou o União Comercial. A situação se agravou um mês depois, quando o governo se recusou a socorrer o Banco Halles, optando por uma intervenção - o que estimulou uma onda de desconfiança no mercado.

Pressionado por uma iminente crise bancária, o governo Geisel resolveu ampliar os usos dos recursos da Reserva Monetária. Até então, esse fundo, que era formado pela arrecadação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), servia basicamente para financiar intervenções cambiais.

O União Comercial foi absorvido pelo Itaú, que assumiu o rombo até certo valor - o resto ficou com a Reserva Monetária. O então ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, votou contra a operação no CMN e defendeu a liquidação. Outros bancos foram saneados com dinheiro da Reserva Monetária, como o Comind e o Auxiliar, nos anos 1980.

O fundo começou a se esvaziar quando a Constituição transferiu a arrecadação do IOF para o Orçamento da União. Perdeu completamente a função com a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2001, que proibiu o uso de dinheiro público para sanear bancos. Já há alguns anos o Tribunal de Contas da União (TCU) vinha insistindo para o Banco Central liquidá-lo.

Dando sequência aos estudos que já estavam avançados no BC, Campos Neto encaminhou ao Palácio do Planalto a sua extinção. A MP nº 909 determina que o patrimônio remanescente da Reserva Monetária, de R$ 9 bilhões, seja utilizado para abater a dívida pública.