Título: A Infância na Esquina
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 09/10/2005, Rio, p. A25

Luzes verde, amarela e vermelha. Com o sinal fechado, meninos e meninas se aproximam dos carros e, em segundos, vendem doces, fazem malabarismo, limpam vidros e pedem dinheiro. A cena, que de tão comum tornou as crianças e adolescentes invisíveis aos olhos dos motoristas, esconde o drama da exploração do trabalho infantil no Rio. Na semana da criança, o Jornal do Brasil teve acesso a um levantamento que identificou o trabalho precoce de 212 menores nos sinais da Zona Oeste. A pesquisa constatou que 70% deles estão cadastrados em programas de assistência social. Nos últimos dois meses, segundo a Defensoria Pública, o número de menores nos sinais de trânsito das zonas Sul e Oeste cresceu 36%. A exploração do trabalho dos menores, principalmente daqueles que ajudam no sustento da família, agravou-se nos últimos meses. Sem receber o auxílio mensal de R$ 40 do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), projeto do governo federal conduzido pela prefeitura, algumas crianças não têm outra opção: precisam trabalhar no sinal. Entre elas, T., 10 anos, filho de Maria Lucimar Oliveira, 37. O menino, que cursa a 3ª série, mora com a mãe e os dois irmãos na comunidade Vila Autódromo, na Barra da Tijuca. Pelo menos uma vez por semana, quando não está na escola, T. acompanha Lucimar para vender panos de chão e flanelas no sinais.

¿ No ano passado, uma Kombi com funcionários da prefeitura passou pelo sinal quando ele estava trabalhando. Disseram que meu filho seria cadastrado na Trupe da Criança e receberia o dinheiro do Peti. Por alguns meses, ele foi para a subprefeitura. Ficava lá vendo televisão, mas nunca recebemos nada. O dinheiro fazia falta e tive que tirá-lo de lá ¿ justificou Lucimar, enquanto se despedia de T., que na sexta-feira, ficou em casa para a mãe trabalhar no sinal.

No município, o Peti atende seis mil crianças em 134 pólos. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), mensalmente são repassados para prefeitura R$ 300 mil. A Secretaria Estadual da Infância e Juventude também repassa para o município R$ 40 por criança no Peti.

¿ Os meus dois sobrinhos ficaram no programa por quase um ano, mas nunca receberam o dinheiro ¿ conta Elaine Patrícia Bernardo, 18 anos, tia de W., que também mora na Barra.

Aos nove anos, W. vende bananada no sinal acompanhado de outros meninos da sua idade, mas confessa não gostar do trabalho.

¿ Ganho R$ 10 quando vendo um saco de banada, mas preferia ficar em casa ¿ conta o menino, que cursa a 2ª série.

Segundo informações da 5ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Barra e Jacarepaguá, desde de julho não há repasses do Peti à prefeitura.

¿ O atraso no pagamento influenciou o aumento das crianças nos sinais ¿ avalia a promotora Janaína Corrêa.

A exploração do trabalho infantil, segundo o desembargador Siro Darlan, que já esteve à frente da 1ª Vara da Infância e Juventude, traz riscos ao desenvolvimento físico e educacional das crianças e adolescentes. De acordo com Darlan, quando os menores são explorados pelos pais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê advertências e até a perda da guarda. De acordo com o levantamento do vereador Nadinho de Rio das Pedras (PFL) ¿ presidente da CPI que investiga a presença dos menores nos sinais ¿ nas Avenidas das Américas e Ayrton, as crianças trabalham em 31 pontos diferentes. Muitas delas moraram na Barra, Jacarepaguá, Campo Grande, Taquara e Cidade de Deus. Durante dois meses de pesquisas nas ruas, segundo Nadinho, descobriu-se uma mão de obra propícia à exploração. Há informações de que alguns dos menores chegam em Kombis que vêm da Cidade de Deus ¿ onde funcionaria um galpão para ensinar como trabalhar nos sinais ¿ e até de municípios da Baixada Fluminense. Nas ruas, pode-se perceber a divisão de grupos. Há crianças que trabalham acompanhadas dos pais e outros que vêm com outros adultos.

¿ Cada um tem o seu ponto. Um adulto fica responsável pelos meninos. No final do dia, o dinheiro é dividido. Sei que estas crianças deveriam estar estudando, mas elas precisam do dinheiro em casa ¿ lamenta um vendedor que trabalha há 28 anos nos sinais.

Segundo a defensora Simone Moreira, da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente, nos últimos dois meses, houve aumento de 36% no número de menores em sinais da Barra e da Zona Sul, Os menores, geralmente, são apreendidos por furto nos sinais. As denúncias de exploração, que antes eram de oito por semana, chegaram a 16 no mesmo período.

¿ Temos relatos de que as crianças ganham até R$ 30 por dia e usam o dinheiro para o sustento da família. Sabemos que há uma indústria da exploração das crianças nos sinais. Infelizmente, muitas dessas crianças têm apenas dois caminhos a seguir: os sinais ou o tráfico. Uma saída seria garantir com eficiência programas como o Peti ¿ avalia a defensora.

Para o promotor Romero Lyra, da 18ª Promotoria de investigação da Barra da Tijuca, a presença das crianças nos sinais mostra que há falhas nas ações de ressocialização.

¿ Ou os programas sociais não estão sendo capazes de manter estas crianças ou recursos estão sendo mal aplicados ¿ critica Lyra.

O desembargador Siro Darlan insiste em dizer que os programas sociais para os menores têm que incluir suas famílias.

¿ Também é necessário o desenvolvimento de atividades lúdicas, esportes, investimento nas equipes dos programas ¿ enumera o juiz.

A Secretaria Municipal de Assistência Social, ouvida pelo JB, não quis comentar o assunto e não permitiu acesso à lista dos menores beneficiados pelo Peti. O município também não comentou o assunto. O Ministério do Desenvolvimento Social informou que vai solicitar, na próxima semana, à CPI instaurada pela Câmara dos Vereadores, a lista das crianças e adolescentes que estariam em situação de trabalho, mesmo participando do Peti .