O Globo, n. 32636, 14/12/2022. Política, p. 9

Proposta que prevê cargo de senador vitalício emperra no Senado

Gabriel Sabóia


A proposta que prevê o cargo de senador vitalício a ex-presidentes da República, articulada por aliados do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, não tem prosperado e encontra dificuldade para ser aprovada no Senado. A proposta tem como consequência direta manter o foro privilegiado ao atual chefe do Palácio do Planalto mesmo após o fim do seu mandato. Desta forma, o presidente permaneceria blindado de juízes de primeira instância, com a imunidade de um senador, depois de deixar o cargo.

O Senado não deverá aprovar a mudança na Constituição para dar mandato vitalício aos ex--presidentes. O recado foi dado pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, ao presidente da Câmara, Arthur Lira, conforme noticiado pelo colunista Bernardo Mello Franco. Em conversa na noite do último domingo, Pacheco disse a Lira que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) não tem chance de receber o aval. A ideia era costurada em silêncio pelo líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes. Já Lira afirmou que pretendia ver aprovada no Senado a emenda, que já circulou em Brasília em outras épocas e acabou esquecida.

Pela proposta, os ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer também poderiam ganhar o novo cargo de senador vitalício. O grupo formaria uma espécie de “super conselho” do Senado e poderia discutir projetos e integrar comissões, mas ficariam impedidos de participação em votações. Isto faria com que o número de senadores, atualmente 81, saltasse para 87 ao final do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Collor e Dilma

Algumas dúvidas ainda pairam sobre o projeto, como por exemplo o custo que isto traria à Casa Legislativa. Também não há certeza se Fernando Collor e Dilma Rousseff, ambos alvos de impeachments, poderiam ser beneficiados pela proposta. Porém, há a certeza de que o texto garantiria aos ex-presidentes contemplados o direito de falar na tribuna do Senado, além de benefícios como gabinetes e assessores.

Uma possibilidade para amortizar os custos da criação do cargo seria dar aos senadores vitalícios apenas o direito de assessores do corpo efetivo do Senado. No entanto, é o foro privilegiado que salta aos olhos dos aliados de Bolsonaro. Ainda de acordo com o texto da proposta, nenhum dos senadores vitalícios poderia voltar a se candidatar à Presidência da República.

Embora o senador Eduardo Gomes tenha peregrinado pelos gabinetes atrás de apoios para o projeto, o parlamentar nega que a proposta vise proteger o presidente Bolsonaro: — Alguns países já têm legislações que preveem que ex-presidentes exerçam funções diplomáticas esporádicas. Temos 217 milhões de brasileiros e menos de dez pessoas que chegaram à Presidência da República. São inteligências que podem prestar serviços ao país. Poderiam, ao menos, ser consultadas — afirma. — A PEC só seria apresentada em 2023, logo Bolsonaro não estaria imediatamente beneficiado por ela. A proposta não visa a proteção específica de ninguém e tende a gerar poucos custos, já que ex-presidentes já têm direito a seguranças e outros benefícios —se esquivou.

Cargo extinto

 O cargo de senador vitalício existia no tempo do Império, mas foi extinto com a proclamação da República. No exterior, persiste em países como Itália e Paraguai, país em que estão protegidos pelo foro privilegiado, como se tenta fazer com Bolsonaro. No final da ditadura de Augusto Pinochet, o cargo de senador vitalício também foi criado no Chile para garantir blindagem ao ex-ditador. Não adiantou, pois ele teve de renunciar à cadeira no Senado por motivos de saúde e acabou preso em Londres, sob a acusação de crimes contra a humanidade. O Chile anos depois decidiu acabar com o benefício.

Esta não é a primeira vez que parlamentares buscam aprovar a criação do cargo de senador vitalício. Há sete anos, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, por 404 votos, emenda do então deputado federal Leonardo Picciani (MDB-RJ) à reforma política (PEC 182/07, do Senado) que previa o benefício vitalício para os ex-presidentes da República. O texto da época também proibia os ex-presidente de participar de novas eleições.