O Globo, n. 32637, 15/12/2022. Mundo, p. 18

"Reconstruir pontes"

Eduardo Gonçalves
Janaína Figueiredo


O futuro ministro das Relações Exteriores, o embaixador Mauro Vieira, anunciou nesta quarta-feira que, além das visitas já esperadas aos Estados Unidos e à Argentina, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fará também, nos três primeiros meses do seu governo, uma viagem oficial à China. A ideia, transmitida por Lula na primeira reunião que os dois tiveram depois da indicação de Vieira, na última sexta-feira, é "reconstruir pontes".

— O presidente Lula me orientou a desenvolver, reaproximar e reconstruir as pontes com os nossos parceiros tradicionais, como Estados Unidos, China e União Europeia. Nós queremos com esses países ter uma relação intensa, produtiva, equilibrada e soberana — disse Vieira em sua primeira entrevista coletiva, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, acrescentando que outra orientação é retomar "todos os trabalhos de cooperação com a África".

Na entrevista, Vieira também anunciou que Maria Laura da Rocha, atual embaixadora na Romênia, será a primeira mulher a ocupar a Secretaria Geral do Itamaraty — o posto número dois da pasta. Depois de uma campanha de especialistas da área para que Lula escolhesse uma embaixadora para comandar o Itamaraty, o futuro chanceler elogiou Rocha, que foi chefe de Gabinete do então ministro Celso Amorim entre 2008 e 2010, além de embaixadora na Unesco, a agência da ONU para educação, ciência e cultura, e na FAO, órgão das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura.

— Ela não precisa de apresentações. É uma embaixadora experimentadíssima. É uma amiga pessoal. Tenho certeza que será uma excelente secretária-geral — disse, informando também que seu chefe de Gabinete será Ricardo Monteiro, que atualmente é diretor do Departamento de Política Econômica, Financeira e de Serviços do Itamaraty.

Além disso, Vieira afirmou que Lula determinou que ele restabelecesse relações com o governo de Nicolás Maduro na Venezuela. Em 2019, o governo do presidente Jair Bolsonaro rompeu relações com Maduro e reconheceu o opositor Juan Guaidó como "presidente interino" do país vizinho. A embaixada e todos os postos diplomáticos no país vizinho foram desativados. Segundo Vieira, a partir de 1º de janeiro o novo governo enviará um encarregado de negócios a Caracas "para ocuparmos os prédios que temos lá e reabrir a embaixada". Em seguida, será indicado o novo embaixador para o posto, que precisará ser aprovado pelo Senado.

— Embaixada junto ao governo que está lá, o governo que foi eleito é o governo do presidente Maduro — disse Vieira ao ser questionado sobre o que faria com Guaidó, cuja embaixadora em Brasília, María Teresa Belandria, já informou que deixará o Brasil antes da posse do novo governo.

As viagens e iniciativas anunciadas pelo futuro chanceler na entrevista refletem a avaliação de Lula e de sua equipe de política externa de que o governo Bolsonaro não só isolou o país, mas provocou danos em relações consideradas essenciais. Com os EUA, o estrago é considerado enorme. O alinhamento automático com o governo de Donald Trump e a demora no reconhecimento da eleição de Joe Biden são considerados erros gravíssimos da gestão de Ernesto Araújo, executados por ordens expressas do presidente.

Lula, por outro lado, não deverá ir a Davos, já que o Fórum Econômico Mundial acontecerá quase simultaneamente com a cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), em Buenos Aires, no final de janeiro. Entre Celac e Davos, segundo uma fonte do gabinete de transição, a prioridade são as relações com a região, o que é má notícia para o governo da Suíça, que pretende organizar uma visita de Estado de Lula ao país.

A relação com os países africanos foi considerada central pelo presidente eleito em seus dois governos e essa política será retomada, como indicou Vieira. Com 12 viagens, Lula foi o governante brasileiro que mais visitou a África, onde Bolsonaro não foi sequer uma vez. Entre os 17 chefes de Estado que já confirmaram presença na posse em 1º de janeiro estão os presidentes de Cabo Verde, José Maria Pereira Neves; de Angola, João Lourenço; do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa; e da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló. O continente espera com ansiedade a mudança de governo.

Na América do Sul, Bolsonaro também viajou muito menos do que Lula. Foi uma vez a Santiago do Chile, em março de 2019, em sua primeira viagem internacional, marcada pelos elogios que fez ao ditador Augusto Pinochet (1973-1990) e por protestos contra sua presença no país. Bolsonaro também foi a Buenos Aires, em junho do mesmo ano, onde fez campanha aberta pela reeleição do então presidente, Mauricio Macri, depois derrotado por Alberto Fernández. Bolsonaro não participou das duas últimas cúpulas do Mercosul e esteve ausente de várias posses presidenciais na região.

Além dos quatro presidentes africanos, já confirmaram presença na posse os chefes de Estado de Alemanha, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Portugal, Suriname, Timor Leste e Uruguai, além do rei da Espanha, Filipe VI, sinalizando a expectativa internacional gerada pelo futuro governo. Os EUA ainda não informaram quem representará o país no evento, mas há uma expectativa que seja a vice-presidente, Kamala Harris.