O Globo, n. 32639, 17/12/2022. Opinião, p. 2
Lula não deveria se associar à ditadura de Nicolás Maduro
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não esconde querer se reaproximar do ditador Nicolás Maduro. Enviou carta ao venezuelano informando a intenção de reatar relações entre os dois governos e de repudiar o interino de Juan Guaidó. Encarregou o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, de garantir a presença de Maduro em sua posse, driblando a proibição de entrada no Brasil decretada pelo governo Jair Bolsonaro. Por fim, atribuiu ao embaixador Mauro Vieira a missão de reabrir a embaixada e os sete consulados brasileiros na Venezuela. “O governo que foi eleito é o governo do presidente Maduro”, disse Vieira em uma de suas primeiras declarações como futuro chanceler.
A eleição de Maduro e os demais pleitos venezuelanos têm sido sistematicamente condenados por observadores independentes. Seu poder ditatorial deriva da convocação, em 2017, da Assembleia Constituinte aparelhada por representantes biônicos para esvaziar o Legislativo controlado pela oposição, única instituição independente que restava na Venezuela depois de quase duas décadas de chavismo. Violações repugnantes de direitos humanos estão documentadas por entidades independentes e pela insuspeita relatora das Nações Unidas, a chilena Michelle Bachelet. A tragédia econômica chavista levou metade da população para a pobreza e afugentou 7 milhões dos 30 milhões de venezuelanos (maior população deslocada do mundo). Em vez de condenar a ditadura de Maduro, como faz até o governo esquerdista chileno, Lula tenta se reaproximar.
É certo que há argumentos para o Brasil repensar as relações com a Venezuela. O isolamento internacional a que Maduro foi submetido arrefeceu depois da eclosão da guerra na Ucrânia, em fevereiro. Com as sanções impostas à Rússia, os Estados Unidos mudaram a política em relação ao país sul-americano que detém a maior reserva de petróleo do mundo. Numa decisão simbólica, a americana Chevron foi autorizada a explorar e exportar óleo venezuelano. Na COP27, em Sharm el-Sheikh, no Egito, Maduro foi chamado de “presidente” pelo francês Emmanuel Macron e conversou com John Kerry, enviado ambiental americano.
Os americanos, porém, condicionaram o descongelamento das relações ao reinício das negociações entre os chavistas e a oposição. O histórico é desencorajador. Até agora, elas serviram apenas para o regime ganhar tempo e tentar diminuir a pressão externa. A oposição, dividida, tornou tudo mais fácil para Maduro. O governo venezuelano sabe que os americanos, mesmo interessados no petróleo, não aceitarão derrubar todas as sanções sem contrapartidas.
A diplomacia lulista aposta que o Brasil poderá ter um papel preponderante nessa negociação, mesmo que longe dos holofotes. Isso seria aceitável. Mas não é esse o sinal que Lula transmite com seus gestos. Reatar relações com Maduro tem, para ele, mais a ver com ideologia que com os interesses brasileiros. A Venezuela chavista é um fetiche inexplicável da esquerda retrógrada. Lula deveria enxergar o óbvio: quem se elegeu como defensor da democracia ameaçada jamais deveria associar-se a quem corroeu as instituições democráticas de seu país — exatamente da forma como Bolsonaro tentava fazer aqui — até transformá-lo em ditadura.