Valor Econômico, v.20, n. 4865, 24/10/2019. Política p.A12

 

Julgamento sobre 2ª instância pode ser concluído em novembro


Até o momento, está 3 a 1 para manter a jurisprudência atual, mas tendência é pela revisão da norma


Por Luísa Martins 

Com um placar parcial de 3 a 1 a favor da prisão após condenação em segunda instância, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu ontem o julgamento sobre a constitucionalidade da medida. A discussão será retomada hoje, quando começarão a ser colhidos os votos dos sete demais ministros.

Se não houver tempo hábil para concluir o julgamento hoje, Toffoli não irá convocar sessões extras. Dessa forma, o tema só seria retomado em 6 de novembro - na semana que vem, o plenário não se reúne, em razão dos feriados do Dia do Servidor e do Dia de Todos os Santos.

Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram pela legalidade da execução antecipada da pena, formando, por ora, uma corrente majoritária nesse sentido. Nos bastidores, porém, a expectativa é de que, ao final, prevaleça o entendimento contrário - o defendido pelo relator, ministro Marco Aurélio Mello. O relator sustentou ontem que o princípio da presunção da inocência é claro na Constituição Federal, “inexistindo espaço para tergiversações que podem levar ao retrocesso”.

Para o ministro, a possibilidade de execução antecipada da pena é uma “inversão da ordem natural”, que seria a de apenas prender após a conclusão das investigações. “Conduz-se o processo criminal com automatismo incompatível com a seriedade do direito de ir e vir dos cidadãos”, argumentou. O relator ainda observou que o recurso às instâncias superiores poderá modificar a condenação imposta ao réu ou até mesmo absolvê-lo - e, se isso acontecer, ele terá sido preso sem razão.

“Indaga-se: perdida a liberdade, vindo o título condenatório e provisório a ser alterado, transmudando-se condenação em absolvição, a liberdade será devolvida ao cidadão, àquele que surge como inocente? A resposta é negativa”, disse.

Os demais ministros discordaram. Primeiro a abrir divergência, Moraes disse que a decretação da prisão após sentença de segundo grau “é uma decisão colegiada, escrita, fundamentada, que reconhece a materialidade e a autoria do delito, observado o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, o que autoriza a execução da pena”.

Em seguida, Fachin adicionou que os recursos às instâncias superiores não têm efeito suspensivo, isto é, não têm o condão de suspender os efeitos de uma condenação - portanto, a prisão após condenação em segunda instância não violaria o princípio da presunção de inocência.

O voto mais longo da sessão - cerca de uma hora e meia - foi o do ministro Barroso. Ele observou que a Constituição não prevê o trânsito em julgado (quando esgotam-se todas as possibilidades de recurso) como requisito para a decretação da prisão, mas sim a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.

“Tanto que são permitidas as prisões preventivas e temporárias, que ocorrem antes mesmo da sentença de primeiro grau. Se é assim, por qual razão o dispositivo deveria proibi-la depois de assentada a culpa por decisão de segundo grau?”, questionou.

Ele criticou o fato de o Supremo cogitar mudar a jurisprudência em tão curto espaço de tempo, já que o mesmo tema foi julgado em 2016, quando o plenário decidiu que a execução antecipada da pena não violava o princípio da presunção de inocência. O ministro Luiz Fux chegou a propor que essa questão fosse debatida antes da votação do mérito, mas sua sugestão não foi acolhida pelo presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli.

“O Brasil vive uma epidemia de violência e corrupção. O que justificaria o STF reverter o entendimento que produziu resultados relevantes e adotar posição que vai dificultar o enfrentamento dessa situação dramática? De que lado da história nós estamos?”, continuou Barroso. “É mais bacana defender a liberdade do que mandar prender. Mas eu preciso evitar o próximo estupro, o próximo roubo.”

Faltam votar os ministros Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Toffoli.

Há um consenso entre fontes credenciadas da Corte de que o STF vá barrar a prisão após condenação em segunda instância, mas ainda não está definido o alcance dessa decisão. O plenário vai discutir se a pena só poderá ser cumprida após esgotadas todas as possibilidades de recurso ou se o ideal é um meio termo, em que a execução da pena será permitida após julgamento em terceiro grau, isto é, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O relator foi o único a se manifestar sobre essa hipótese, classificando-a como “imprópria”. “Descabe admitir-se a gradação da formação da culpa para fins de incidência da garantia em jogo (presunção de inocência). Seria despedir-se o Supremo da tarefa que lhe é própria, de guardar da Constituição, e transformar o STJ em Supremo”, criticou. (Colaborou Isadora Peron)

 

_______________________________________________________________________________________________________________________

 

 

Militância virtual pressiona Supremo


Bolsonaristas e lavajatistas dominaram twitter


Por Cristian Klein 

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão após condenação em segunda instância movimentou ontem as redes sociais, puxadas sobretudo por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Justiça, Sergio Moro. Bolsonaristas e lavajatistas emplacaram o tema nos assuntos mais comentados do Twitter no Brasil.

A hashtag #PrisaoEm2aInstanciaSim liderou o número de tuítes ao longo do dia e reuniu desde ativistas mais moderados - como os vinculados ao movimento Vem Pra Rua, que defendiam que ministros do STF pedissem vista e adiassem a decisão - até os mais radicais, que prometem uma invasão de caminhoneiros em Brasília e um golpe contra as instituições, com intervenção militar. A sessão foi suspensa no início da noite quando o placar estava em 3 votos a 1 a favor da prisão em segunda instância e será retomada amanhã. A expectativa, porém, é que a corrente seja derrotada, pelo placar apertado de 6 a 5, o que elevou o tom da pressão nas redes sociais.

“Basta um cabo e um soldado”, dizia um dos tuítes, estampando uma ilustração em que um soldado empunha um fuzil e vigia quatro ministros togados sentados num banco, aparentemente presos e algemados. A imagem é uma alusão à frase do filho do presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), segundo o qual seria necessário apenas dois praças para tomar o poder constitucional do Supremo Tribunal Federal. Outros defendiam abertamente a desobediência civil, alegando que a possível vitória da volta da jurisprudência que prevaleceu no país entre 2009 e 2016 seria motivo para uma rebelião comparável à escravidão.

O movimento Avança Brasil convocava uma vigília de manifestantes para as 20h em frente ao STF. O Vem Pra Rua, muito atuante durante os protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, apostou no adiamento. Numa peça, estampava a fotografia no ministro Luis Roberto Barroso e clamava: “Peça Vista”. Em outra, Barroso dividia o espaço da publicação com Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin, ministros que também têm se posicionado a favor da prisão após a segunda instância. “Para que o mal triunfe basta que os bons não façam nada. Qual ministro terá coragem de pedir vista e impedir o fim da prisão em segunda instância?”, incentivava o post.

Outras mensagens eram mais virulentas, com fotografias de uma multidão cercando o Congresso durante as manifestações de 2013, ou o vídeo em que um defensor da execução de pena antecipada reclama dos senadores - que estariam “assistindo a tudo de camarote” - e cobra dos parlamentares o impeachment de ministros do STF e a aprovação de uma nova PEC da Bengala. Pela proposta, a idade de aposentadoria dos magistrados do STF voltaria aos 70 anos, o que aumentaria o número de vagas a serem preenchidas por Bolsonaro.

Entre os tópicos mais comentados estiveram ainda as hashtags com elogios a Barroso e Alexandre de Moraes e de cobrança a Rosa Weber, cujo voto é considerado determinante para o resultado.

 

_______________________________________________________________________________________________________________________

 

STF vai decidir se cumpre ou não a Constituição, diz Lula


Além da mobilização menor nas redes sociais do que aqueles que defendem a prisão de Lula, aliados do ex-presidente evitaram marcar atos para pressionar o STF


Por Cristiane Agostine 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se vai cumprir ou não a Constituição ao julgar a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância. Lula disse estar tranquilo em relação ao julgamento do STF e evitou falar sobre um eventual resultado favorável, que poderá tirá-lo da prisão.

O tom de cautela adotado por Lula e a pressão para que o Supremo cumpra a Constituição foram seguidos por aliados do ex-presidente nas redes sociais, que se mobilizaram de forma mais discreta do que os opositores do petista.

Em entrevista concedida ontem ao site “Brasil de Fato”, Lula disse que o processo que está sendo julgado não diz respeito a ele, mas sim ao cumprimento da Constituição. “Está escrito lá que a pessoa só pode ser presa se for condenada depois de o processo passar por todas as instâncias”, afirmou. “A Suprema Corte vai decidir se ela vai cumprir a Constituição ou não vai cumprir a Constituição. Esse não é o meu processo. Não estou preocupado com a segunda instância”.

“A minha briga não é por segunda ou terceira instância, a minha briga é: eu quero que seja julgado o mérito do meu processo. Se encontrarem um milímetro de prova de crime que eu cometi, eu tenho que ser preso, mas se não encontrarem, prendam quem mandou me prender e me libertem. Essa é a minha briga e eu vou brigar até o fim”, disse Lula, em meio a críticas ao coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, e ao ex-juiz Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro. “Com muita tranquilidade, sem nenhum rancor, eu sou um Dom Quixote, hoje, à procura da verdade”, declarou.

O ex-presidente voltou a falar que não pretende solicitar a progressão do regime fechado para o semi-aberto, a que já tem direito, e disse não trocar sua dignidade pela liberdade. “Progressão de pena é pra ladrão. Progressão de pena é pra culpado. Eu quero a minha inocência. Eu quero o julgamento do mérito do meu processo. É assim que está dito o jogo e é assim que vou jogar.”

Questionado sobre a expectativa de deixar a prisão, Lula afirmou que até proíbe seus advogados de falarem sobre esse tema e disse que não gostar de trabalhar com expectativas. “Porque se você fica gerando expectativas e você fica frustrado, você não sobrevive. Então, eu não deixo me consumir por expectativas”, disse. Lula está preso desde abril de 2018 na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.

Além da mobilização menor nas redes sociais do que aqueles que defendem a prisão de Lula, aliados do ex-presidente evitaram até mesmo marcar atos para pressionar o STF a dar uma decisão favorável ao petista. Mobilizações em favor do ex-presidente estão previstas em diversas cidades do país para o fim de semana, mas para comemorar o aniversário de 74 anos do petista.

Pelo Twitter, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), afirmou que “cláusula pétrea não é angu de caroço, é pra ser cumprida”. “É apenas isso que se espera do STF”, disse, evitando usar um tom de cobrança aos ministros da Suprema Corte.