Valor Econômico, v.20, n. 4865, 24/10/2019. Opinião p.A18

 

Brasil caminha para IVA Dual


Precisamos propor modelos que evitem impasses políticos entre os entes federativos, ao invés de estimular


Por Ernesto Lozardo e Melina Lukic

A aprovação da reforma da Previdência Social representará o freio na elevação da dívida pública e, por seu turno, do custo do capital e estabilidade da inflação. Ela não promoverá o crescimento, tampouco o retorno dos investimentos privados nacionais e internacionais.

A reforma tributária é que será o motor do crescimento, do emprego e da produtividade. Ela reduzirá o custo da produção, ao mesmo tempo, promoverá racionalidade produtiva, competitividade, surgimento do capitalismo competitivo de mercado, abertura econômica e acabará com as incertezas tributárias existentes.

O debate da reforma tributária está se encaminhando para uma convergência de apoios políticos em torno do IVA Dual. O ministro Paulo Guedes, em diversas oportunidades, já manifestou publicamente a vontade do governo federal de propor e adotar um IVA Dual. Economistas e juristas de renome nacional já demonstraram apoio ao modelo. No Congresso, o relatório da PEC 100/2019 também encaminhou a discussão da reforma tributária no Senado para um IVA Dual. Os secretários de Fazenda dos Estados igualmente lançaram uma carta no âmbito da PEC 45/2019 da Câmara apoiando a adoção de um IVA desde que ele fosse Dual.

A PEC 45/2019, até então no centro das discussões, perdeu sua força em razão das inúmeras críticas levantadas por especialistas e pelos atores políticos e econômicos. A PEC 45/2019 propõe a unificação de todos os tributos sobre o consumo em torno do IBS (Imposto sobre bens e serviços), cuja competência será compartilhada entre União, Estados e municípios. Esta competência compartilhada, apesar de não ferir o pacto federativo constitucional, ainda assim levanta questões quanto à limitação da autonomia e possibilidade de centralização de poder e sujeição dos entes.

O longo prazo de transição de 10 anos para a completa adoção pelos contribuintes e de 50 anos para os entes federativos, igualmente é outra questão crítica na PEC 45. Por fim, a gestão da arrecadação por um comitê gestor com participação de todos os entes, cujas regras de governança ficarão a critério dos próprios entes federativos, poderá levar a impasses políticos e paralisia decisória, já que implicará na necessidade de negociações permanentes que poderão minar o futuro do IBS.

Precisamos propor modelos que evitem impasses políticos entre os entes federativos, ao invés de estimular tais possibilidades. O Brasil não tem histórico nem cultura de um federalismo cooperativo. A reforma tributária é um perfeito exemplo disso, já que sempre foi paralisada por conflitos entre os entes.

O IVA Dual surge com a força de um modelo alternativo às propostas de IVA único nacional. O IVA Dual foi a base da proposta de reforma tributária desenvolvido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em 2018), concebido dentro de um projeto de reformulação do desenvolvimento econômico nacional, estruturando o capitalismo nacional integrado na globalização de mercados.

Esse projeto foi cuidadosamente elaborado e submetido ao debate e sugestões de especialistas nacionais e internacionais conhecedores da complexidade do sistema tributário brasileiro.

Tal como nas demais propostas, trata-se de um imposto sobre o consumo de bens e serviços cobrado no destino e calculado através da técnica do valor agregado, nos moldes das melhores práticas internacionais. Assim, ele põe fim à guerra fiscal entre entes federados. É dual no sentido de que há a adoção de dois IVAs separadamente e concomitantemente: o IVA federal, unificando o PIS e Cofins e transformando o IPI como imposto seletivo; e o IVA dos Estados e municípios (unindo o ICMS, dos Estados, com o ISS, dos municípios).

O IVA Dual é a solução que melhor responde às questões federativas do país. Ao contrário da PEC 45/2019, assegura a competência tributária e autonomia dos entes, conforme os preceitos constitucionais. A implementação é imediata, permitindo que os entes federados possam ajustar suas alíquotas, dependendo da perda inicial de arrecadação, quando existir. Prevê-se um fundo constitucional dos entes federados para eventual ajuste na perda de arrecadação, uma vez que a cobrança passa a ser no local do consumo e não mais no da produção dos bens e serviços.

As alíquotas iniciais do IVA Dual estão estimadas em 21%, sendo 8% a parcela da União; 11,5% dos Estados; e 1,5% dos municípios, com base de cálculo nos dados do IBGE 2016. Trata-se de uma carga tributária elevada. No entanto, esses percentuais tendem a ser menores na medida em que tanto o aumento da eficiência da arrecadação como os esforços da União, Estados e municípios na redução e racionalização das despesas correntes permitirão a redução gradual da carga tributária.

O modelo do IVA Dual proposto baseou-se, conceitualmente, no sistema tributário do Canadá, adaptando-o às características constitucionais brasileiras. Obviamente, não se trata de uma simples reprodução daquele sistema, já que há grandes diferenças entre os dois países. O IVA Dual do Ipea se inspira nesse modelo em três aspectos:

Possível de haver IVAs separados e, simultaneamente, em dois entes diferentes de governo;

Factível de se iniciar pelo governo federal, o que servirá de modelo para adoção posterior pelas províncias; e

Plausível na harmonização do IVA das províncias ao IVA federal. Esta última etapa será possível no Brasil após a adoção do IVA estadual no destino por todos os Estados.

O processo de implementação do IVA Dual no Brasil seguirá estas premissas: iniciará pelo IVA federal, o que evitará discussões federativas que geralmente travam a aprovação da reforma. Após um período de aprendizado, Estados e municípios adotarão seus próprios IVAs, cobrados no destino, terminando com a fratricida guerra fiscal.

Em face de tantas incertezas presentes, é imprescindível que se faça a execução da reforma em duas etapas, já com o conhecimento do IVA Federal e em consonância com as características federativas do país.