Título: Novo peso em velha ameaça
Autor: Kelly Oliveira e Dimalice Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 10/10/2005, Economia & Negócios, p. A17

A ameaça feita na semana passada pelo secretário-adjunto de Estado americano, Robert Zoellick, de tirar o Brasil de um sistema de benefícios tarifários para a exportação aos Estados Unidos - o chamado Sistema geral de Preferências (SGP) - pode estar mais próxima de se concretizar do que se imagina. A hipótese foi aventada como resposta à tentativa brasileira de retaliar os americanos pelo fato de eles não terem derrubado os subsídios aos produtores de algodão, como determinou a Organização Mundial do Comércio (OMC). A discussão sobre a retirada dos privilégios, porém, é mais antiga. Insatisfeitas com o combate à pirataria no Brasil, autoridades dos EUA já avaliam a exclusão há alguns anos e anunciarão a decisão nos próximos dias.

O embate sobre o algodão é mais um fator que se junta aos que levaram os americanos a consultar instâncias do governo para saber se mantêm ou não o benefício. A irritação com a tentativa brasileira de forçá-los a suspender os subsídios aos produtores da commodity veio no momento em que os Estados Unidos concluíram um levantamento sobre a atuação do Brasil no combate a produtos ilegais.

O SGP é uma concessão unilateral feita por algumas nações desenvolvidas a países em desenvolvimento, que isenta alguns produtos da tarifa de entrada. Criado em 1970, no âmbito da Unctad, agência das Nações Unidas que lida com questões relativas ao comércio e o desenvolvimento, o SGP ao Brasil é outorgado por 10 países mais a União Européia. As exportações brasileiras aos EUA amparadas pelo SGP representam menos de 20% das vendas totais do país àquele mercado. Em 2004, o Brasil exportou cerca de US$ 2,5 bilhões por meio do sistema. Enquanto as importações norte-americanas procedentes do Brasil cresceram em 18,3% entre 2003 e 2004, no mesmo período, as importações beneficiadas pelo SGP variaram cerca de 27,3%. A lista de exportação contém, em sua maioria, produtos manufaturados e semimanufaturados, além de alguns itens agrícolas, de pesca e do setor primário.

O prazo para que o governo americano apresentasse o relatório terminou no último dia 30 de setembro. O documento resulta da petição apresentada em 2000 por setores ligados à proteção dos direitos autorais nos Estados Unidos, que pediram a revisão dos benefícios, sob a alegação de que o combate à pirataria é ''inadequada e ineficaz''.

Entretanto, já surgiram outras pressões para que o Brasil seja retirado do SGP. Além do algodão, outro exemplo que provocou reações negativas e irritou o Congresso americano foi o anúncio da quebra da patente do medicamento Kaletra, fabricado pela Abbott, no fim de julho deste ano.

Segundo o chefe da Divisão de Propriedade Intelectual do Itamaraty, Otávio Brandelli, quanto à pirataria, o Brasil já adotou 99 medidas de combate, o que justifica a manutenção do Brasil no SGP. Os resultados das medidas, afirma, teriam ido além do aumento nas apreensões de mercadorias, que saltou do valor R$ 77 milhões em todo o ano de 2004, para R$ 80 milhões só entre janeiro e agosto deste ano. Outro resultado importante é que o número de transferências financeiras para os Estados Unidos passou de US$ 110,7 milhões, em 1993, chegando a US 994,7 milhões, em 2000, e em mais de US$ 1 bilhão, no ano passado.

- O governo espera que a investigação seja encerrada. Nossos esforços são visíveis - justifica Brandelli.

O secretário do Conselho Nacional de Combate à Pirataria do Ministério da Justiça, Márcio Gonçalves, engrossa o coro dos que defendem que os Estados Unidos não têm motivo para retirar o Brasil do SGP. Entretanto, acrescenta que as ações do governo brasileiro não visam somente atender à solicitação americana, mas também à economia do país. Gonçalves lembra que o Brasil tem uma perda de receita de R$ 27 bilhões por ano devido à pirataria.

- O Brasil tem suas próprias razões para combater a pirataria, no sentido de proteger suas marcas, de estimular o emprego e devido às perdas de receita.