O Globo, n. 32641, 19/12/2022. Política, p. 8

Semana deci­siva vai ‘des­tra­var’ for­ma­ção do governo

Alice Cravo


A 13 dias de tomar posse pela terceira vez como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá uma semana decisiva para a formação de seu futuro governo, obter uma base no Congresso e conseguir garantir recursos orçamentários para suas promessas de campanha. O presidente eleito ainda terá de enfrentar outros dois desafios: o impacto do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade do orçamento secreto, prometido para a manhã de hoje — o que pode gerar má vontade de muitos parlamentares que defendem a medida, afetando a votação de temas caros a Lula no Legislativo —, e o prazo de encerramento das atividades de deputados e senadores.

Além disso, Lula deverá ter uma semana mais curta: na quinta-feira ou, no máximo, sexta-feira, ele deve embarcar para São Paulo e passar o Natal com sua família. A data coincide com o prazo que sua equipe estabeleceu como meta para resolver o espaço fiscal para 2023, votando a PEC da Transição e a proposta do Orçamento para o próximo ano.

A falta de clareza sobre o cenário atrasa a divulgação do ministério de Lula. Até o momento, o presidente eleito anunciou oficialmente apenas cinco dos 37 nomes de sua Esplanda dos Ministérios — há ainda o caso de Margareth Menezes, que indicou ter aceitado o convite de Lula para a pasta da Cultura. Os anunciados até o momento — Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), José Múcio Monteiro (Defesa), Flávio Dino (Justiça) e Mauro Vieira (Itamaraty) — são considerados da “cota pessoal” do presidente.

Conflitos

Como O GLOBO mostrou no domingo, novos e antigos aliados estão em uma disputa aberta por ministérios que somam quase R$ 300 bilhões de orçamento. Os “objetos de desejo” incluem pastas como Integração Nacional, Cidades, Desenvolvimento Social e Minas e Energia. Há casos em que três partidos diferentes disputam o mesmo ministério.

A intenção de Lula é usar essas pastas para atrair partidos que elegeram número considerável de parlamentares, mas não fizeram parte da sua coligação, como MDB e União Brasil. Ao mesmo tempo, o presidente eleito precisará conter a pressão do seu próprio partido, que teme entregar postos de destaque a nomes de fora da sua sigla.

Lula, assim, terá que resolver esses conflitos. Em jogo, estão não apenas a governabilidade de seu governo, mas a aprovação da PEC da Transição. Na semana passada, Brasília viveu uma “queda de braço” entre o petista e alguns partidos, em especial do Centrão. Enquanto Lula quer apenas anunciar seus ministros após ver a PEC aprovada, líderes de alguns partidos exigiam o contrário: só votariam o texto se já soubessem previamente o espaço que terão na Esplanada dos Ministérios.

Em 2002, Lula havia indicado oito ministros até o dia 19 de dezembro, restando 28 para o resto do mês. Na época, o petista concluiu seu gabinete no dia 23 de dezembro. Ou seja, se repetir este padrão, Lula poderá concluir seu gabinete até sexta-feira.

Lula escalou um time de parlamentares experientes para comandar a articulação política do novo governo. A tropa de choque será formada pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) e pelos deputados José Guimarães (PT-CE) e Alexandre Padilha (PT-SP) — que deve ser nomeado para o Ministério das Relações Institucionais.

Papa diz que Lula foi vítima de fake news
> O papa Francisco afirmou que o processo que condenou o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no âmbito da Lava-Jato, posteriormente anulado, "começou com notícias falsas na mídia" que "criaram uma atmosfera que favoreceu a colocação de Lula em um julgamento". A declaração ocorreu em entrevista ao jornal espanhol ABC, publicada ontem.

> Francisco foi questionado sobre o caso do petista, eleito presidente nas eleições deste ano após ser preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ao jornal espanhol, o papa classificou o processo como "paradigmático" e alertou para a gravidade das fake news envolvendo líderes políticos e sociais: "podem destruir uma pessoa".

> Os processos contra Lula foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021 por questões técnicas: o juiz Sergio Moro, hoje senador eleito e então responsável pelo caso, foi considerado parcial para punir Lula e os processos deveriam tramitar no Distrito Federal, não no Paraná.

> Na avaliação de Francisco, o procedimento relativo a Lula "parece não ter sido adequado". O papa disse que "é preciso cuidado com aqueles que montam um cenário para um julgamento" e que "um julgamento deve ser o mais limpo possível".