Valor Econômico, v.20, n. 4864, 23/10/2019. Brasil p.A4

 

Bolsonaro vai à China e tenta apagar retórica hostil da campanha


Presidente terá encontros separados com as três principais lideranças políticas do país asiático


Por Maria Cristina Fernandes 

 

O presidente Jair Bolsonaro chega hoje à China para uma visita de Estado em que será recebido, separadamente, pelas três principais lideranças políticas do país, o presidente da República e secretário-geral do Partido Comunista, Xi Jinping, o primeiro-ministro, Li Keqiang, e o presidente da Assembleia Nacional Popular, Li Zhanshu.

É o sétimo presidente brasileiro a visitar a China. João Figueiredo, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, o fizeram antes. João Goulart ainda era vice-presidente quando esteve na China em 1961 e apenas no caminho de volta foi informado que, após a renúncia de Jânio Quadros, desembarcaria como presidente.

A expectativa de empresários, governadores em tratativas para levar investimentos chineses em seus Estados e setores do governo envolvidos nas reuniões interministeriais ocorridas desde o convite, no início do ano, é de que a visita reflita o peso da relação estratégica do país para a economia brasileira. A China é o principal destino das exportações brasileiras. Este ano, até setembro, o Brasil acumula superávit de US$ 19,5 bi com a China. Já o Brasil é o quarto maior destino para os produtos chineses.

O esforço agora é para que a retórica contrária à China da campanha eleitoral seja tratada como nota pé de página numa relação que tem na aproximação entre o Programa de Parceria Estratégica do Brasil (PPI) com a Iniciativa Cinturão e Rota, BRI, na sigla em inglês para o ambicioso projeto chinês de infraestrutura e tecnologia.

No dia de sua chegada a Pequim, o único compromisso na agenda do presidente é um jantar a ser oferecido pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Na manhã do dia seguinte, depois de gravação ao vivo semanal no Facebook, o presidente abrirá um seminário empresarial promovido pela Apex, na companhia do vice-primeiro-ministro chinês, Hu Chunhua. O encontro com os dirigentes chineses acontecerá na tarde da sexta e, à noite, o presidente chinês oferece um jantar à comitiva brasileira.

No seminário empresarial, será exibida a trajetória de duas empresas, a chinesa State Grid e a brasileira WEG. A estatal chinesa de energia comprou a CPFL e tem, no Brasil, um terço de seus investimentos estrangeiros. Junto com a Three Gorges, também estatal, acumula investimentos de US$ 1,7 bilhão no Brasil com 12 projetos.

Depois de uma fase, entre 2010 e 2013, em que os investimentos estiveram concentrados em mineração e petróleo e gás, em 2014 começou uma migração para a geração, transmissão e distribuição de energia. A retração nos investimentos ocorrida em 2018, em todos os setores, ainda não se reverteu.

A WEG chegou à China em 2004 para fabricar motores e componentes elétricos. Acaba de anunciar sua quarta fábrica no país e a primeira de automação industrial. A empresa já soma 2,2 mil funcionários no país asiático.

Não há previsão de anúncio de investimentos durante a visita. No encontro entre os dois presidentes e no seminário da Apex estão previstas assinaturas de atos e memorandos de entendimentos.

Um dos temas que mais frequentou o noticiário das relações bilaterais, a abertura do mercado brasileiro à tecnologia 5G, dominada pela China, não está no escopo dos atos porque cabe à Anatel a definição do edital de licitação para as operadoras interessadas em participar do leilão.

O Brasil tem a expectativa de avançar na diversificação das exportações agrícolas, hoje concentradas em soja, açúcar e carne. Um dos atos focará o setor de frutas, área em que o fornecimento brasileiro é incipiente até mesmo em relação aos vizinhos. Chile, Peru, Argentina e Colômbia já têm mercado cativo na China para suas frutas.

Interlocutores envolvidos na negociação dessa pauta avaliam que a inconstância e as oscilações das vendas dificultam o incremento da exportação. Energia renovável e transportes são dois outros alvos dos atos que, até a véspera da visita ainda estavam em negociação.

No encontro da Apex, serão assinados memorandos de entendimento entre o governo do Espírito Santo e a Petrochina, a Potássio Brasil e a Citic chinesa, além de um acordo para treinamento recíproco de mão de obra.

Integram a comitiva os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Teresa Cristina (Agricultura), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Osmar Terra (Cidadania), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Heleno Ribeiro (GSI), além de três parlamentares, David Soares (DEM-SP), Fausto Pinato (PP-SP), Helio Lopes (PSL-RJ) e Marco Feliciano (Podemos-SP), e um governador, Gladson Cameli (AC).

O presidente embarca no sábado para a última etapa da viagem no Oriente Médio. Bolsonaro irá aos Emirados Árabes Unidos, Qatar e Arábia Saudita. O retorno para o Brasil está previsto para a quinta feira, 31 de outubro.

 

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Presidente ironiza questão sobre economia


Bolsonaro cita Selic, inflação e desemprego como sinais de que atividade está reagindo


Por Assis Moreira 

Quem diz que a economia está crescendo pouco não entende do assunto. Foi basicamente como reagiu o presidente Jair Bolsonaro em Tóquio, ao ser indagado se alguma medida seria necessária proximamente para dar mais ânimo para a atividade econômica.

“Continua não entendendo de economia, né?”, reagiu Bolsonaro em direção de um repórter. Passou a citar taxa Selic de 5,5%, risco Brasil diminuindo, inflação abaixo da meta, taxa de desemprego em queda.

Exemplificou também com a liberação do FGTS. Disse que Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal, garantiu que não mais em março, e sim já em dezembro, será atingida a meta para que todos retirem seus R$ 500. Para economistas do governo, isso ajuda no consumo.

Lembrado de que, quando ele tomou posse, a expectativa de crescimento do Brasil era bem superior que a taxa inferior a 1% prevista para este ano, Bolsonaro retrucou: “Quando entrei, não foi minha equipe que fez expectativa, foi o mercado”.

Segundo um membro da delegação brasileira, Bolsonaro tem telefonado bastante desde Tóquio para o ministro da Economia, Paulo Guedes. Quando voltou a ser questionado se alguma nova medida econômica estaria no radar, ele respondeu que isso era com o “posto Ipiranga”, como se refere a Guedes.

A avaliação nos círculos que conhecem melhor Bolsonaro é de que ele em Tóquio mostra-se sereno. A ponto de um repórter perguntar se isso era em razão do fuso horário: “Pode ser”, retrucou, rindo.

 

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Chanceler defende alinhamento com EUA e diz não haver restrição a investimento chinês


Habilitação de mais frigoríficos para exportação da carne bovina está entre as apostas da visita de presidente a Pequim


Por Assis Moreira

 

Às vésperas de sua visita ao lado do presidente Jair Bolsonaro a Pequim, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, enfatizou que não há limitação para investimentos chineses no Brasil, ao mesmo tempo em que defendeu o alinhamento com os Estados Unidos.

A declaração fez parte dos esforços da delegação brasileira para superar declarações passadas de Bolsonaro, em que dizia que a China não comprava no Brasil, e sim comprava o Brasil.

Araújo frisou que a presença chinesa no Brasil é útil, proveitosa e parte da abertura integral para investimentos externos. Disse que não tem limitação para investimentos chineses no mercado brasileiro e que o país quer mais investimentos chineses e de outras origens.

Uma das polêmicas envolvendo o investimento chinês é a questão da quinta geração de telefonia móvel (5G). Ainda no Japão, onde participou da cerimônia de entronização do imperador Naruhito, Bolsonaro afirmou que o tema não está no seu “radar”. Quanto a se os chineses fizeram algum tipo de pressão sobre o tema, o presidente respondeu: “Comigo, não, conversaram com o vice [Hamilton Mourão]”.

O embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, recentemente, ao comentar sobre a licitação para a implementação da 5G no país, afirmou: “A Huawei não será banida [do Brasil]”. O edital da licitação ainda não é conhecido, mas embaixador acredita que o Brasil não cederá à pressão americana contra a Huawei, empresa que detém o maior número de patentes 5G no mundo. Em agosto, o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, revelou ter “alertado” o governo brasileiro sobre as “vulnerabilidades” da tecnologia chinesa.

Segundo Araújo, o 5G não estará na pauta da visita a Pequim porque o Brasil não tem definição técnica ainda sobre o tema.

Ele afirmou que a expectativa brasileira na visita de Bolsonaro na quinta e sexta-feira é de abrir mais algumas portas no mercado chinês, o que incluiria habilitação de mais frigoríficos para exportação da carne bovina.

O chanceler fez ainda um aceno a Pequim, reafirmando uma posição tradicional do Brasil, de apoio à política de uma só China, ao ser perguntado sobre as manifestações em Hong Kong.

Quanto a riscos para o Brasil de ter apostado demais na relação com Donald Trump, cada vez sob risco de eventual impeachment, Araújo defendeu que vale aproveitar a afinidade entre os governos “para construir coisas importantes para os dois países, [pois] em qualquer país o governo muda”.

Ele destacou a “a convicção de que a relação profunda com os EUA é fundamental para o nosso desenvolvimento, crescimento, nossa projeção no mundo e temos que continuar isso, aproveitando que existe essa afinidade”.

O chefe da diplomacia brasileira diz não ver fragilidade política de Trump, com as ameaças de impeachment. “Não vejo essa fragilidade de Trump porque a economia americana vai muito bem”, respondeu. Para ele, “existe muita tentativa de criar factóides desde o começo do governo Trump para tentar diminuí-lo”.

Sobre as incertezas envolvendo o Brexit, a posição brasileira é de fazer rapidamente um acordo comercial com o Reino Unido quando o país sair formalmente do mercado comum europeu.

Quanto às relações com a França, o chanceler admitiu que não estão normalizadas, no rastro das “ofensas” do presidente Emmanuel Macron contra Bolsonaro envolvendo a Amazônia.

 

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Banco do Brics aprova US$ 500 milhões a municípios


Programa financiará projetos de saneamento básico, tratamento de resíduos para eliminar lixões, energias renováveis e mobilidade urbana


Por Gabriel Vasconcelos 

A diretoria do New Development Bank (NDB), o Banco do Brics, aprovou empréstimo de US$ 500 milhões para um programa do Ministério do Meio Ambiente para financiar infraestrutura em municípios. A informação foi adiantada ao Valor pela diretora-geral do novo escritório da instituição nas Américas, Claudia Prates. Segundo a base de dados do NDB, o valor deve ser executado nos próximos quatro anos e teria potencial para induzir investimentos adicionais de US$ 2 bilhões.

O programa financiará projetos de saneamento básico, tratamento de resíduos para eliminar lixões, energias renováveis e mobilidade urbana. Os empréstimos servirão preferencialmente a prefeituras, mas também poderão ser contratados por empresas privadas diretamente no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - gestor dos contratos - ou em bancos públicos intermediários: Caixa, Banco do Brasil e os bancos de desenvolvimento regional. O juro anual varia de 0,65% a 1,35% acrescido da Libor, taxa interbancária do mercado londrino, com prazo de oito a 19 anos.

A ideia é que os primeiros desembolsos aconteçam no início de 2020, após as ratificações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e do Senado, que antecedem a assinatura do contrato. O governo federal ajustava os termos da operação com executivos do banco há mais de cinco meses.

Claudia afirma que o empréstimo é o primeiro passo para aumentar a carteira do banco no Brasil. A estratégia conta com outro pacote de empréstimos que, em fase de estruturação, soma US$ 650 milhões e deve ser aprovado no primeiro trimestre de 2020. A maior parte, US$ 600 milhões, será tomada por empresas privadas para projetos de infraestrutura de transporte que a executiva não detalhou. Os demais US$ 50 milhões vão financiar um projeto da prefeitura de Teresina (Piauí) para construção e reforma de escolas de tempo integral. A inciativa, diz Claudia, se encaixa na categoria de “infraestrutura social”, contemplada pelo banco.

Nos próximos dois anos, o plano da executiva é aprovar cerca de US$ 2 bilhões em projetos para o Brasil. “O objetivo é aumentar o mais rápido possível a fatia de empréstimos [do NDB] ao país”, afirma. A dificuldade está no fato de as contratações nos demais Brics - Rússia, Índia, China e África do Sul - avançar mais rapidamente que no Brasil. Em pouco mais de um ano, a carteira total do NDB passou de US$ 10,2 bilhões para mais de US$ 13 bilhões, para 42 projetos.

A proposta coincide com o discurso da equipe econômica de fomentar investimento em infraestrutura e intensificar o uso de mecanismos multilaterais dos quais o Brasil faz parte, ao passo em que reduz a participação do BNDES no mercado de crédito e reforça seu caráter de prestador de serviços.

Não à toa os US$ 500 milhões recém-aprovados serão administrados pelo BNDES, por meio do Fundo Clima. Criado em 2009 para financiar projetos de redução do efeito estufa, o fundo chegou a ter nove linhas de crédito diferentes, mas só uma permanece ativa: a, voltada à aquisição de maquinário mais eficiente. Apesar do envolvimento do BNDES, a nova operação é a primeira realizada diretamente entre NDB e União, com garantia do Tesouro Nacional.

O NDB se caracterizou, entre 2016 e 2018, por uma taxa de desembolsos baixa, com 2,8% do volume aprovado sendo efetivamente desembolsado. Mas isso mudou desde que o banco recebeu, em agosto de 2018, classificação “AA+” das agências Fitch e Standard & Poor’s. No Brasil, os desembolsos somam US$ 345 milhões, com US$ 621 milhões aprovados.

Claudia diz que a maior parte dos empréstimos ao Brasil foi ou está sendo liberada. A exceção é um financiamento de US$ 71 milhões ao governo do Maranhão para obras em ferrovias. A operação foi suspensa depois que a nota de risco do Estado junto ao Tesouro caiu de B para C. “O empréstimo não está descartado. Vamos esperar o Estado se reabilitar.”

Estão em execução dois projetos aprovados em 2018: um do governo do Pará, de US$ 50 milhões, para construção de estradas, drenagem, saneamento e telecomunicações em 29 municípios; e outro da Petrobras, que destina US$ 200 milhões para a redução das emissões de gases poluentes ou contaminação do solo e da água nas refinarias Gabriel Passos (Regap), em Minas, e Duque de Caxias (Reduc), no Rio. Completam a lista US$ 300 milhões tomados em 2016 com garantia do BNDES e totalmente liberados para construção de usinas de energia solar e eólica do Grupo Casa dos Ventos, da Engie e da EDF nas regiões Sudeste e Nordeste.