Título: Tragédia supera diplomacia
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Fonte: Jornal do Brasil, 11/10/2005, Internacional, p. A9

Índia e Paquistão deixam de lado décadas de conflitos e criam normas para assistência humanitária na Caxemira

ISLAMABAD - O Paquistão aceitou ontem receber ajuda da Índia, país rival, mas estabeleceu regras para a assistência após o terremoto que já deixou mais de 21 mil mortos - a expectativa é que o número chegue a 40 mil - e 2,5 milhões de desabrigados. Nova Délhi contribui junto a outras nações e organismos internacionais que se mobilizaram para socorrer as vítimas da tragédia, a maior da história do país. O presidente paquistanês, Pervez Musharraf, no entanto, recusou envio de tropas indianas.

Para Islamabad, aceitar assistência militar da Índia - também atingida pelo terremoto, com cerca de 900 mortos - significaria dar acesso a seu território, além de evidenciar sua vulnerabilidade, afirmam analistas. A Caxemira, reivindicada pelas duas potências nucleares, foi a região mais afetada.

- Teria um efeito dramático no diálogo entre Índia e Paquistão - avaliou C. Uday Bhaskar, do Instituto de Nova Délhi de Estudos de Defesa. - Há elementos complexos envolvidos.

Outro motivo é a presença de guerrilhas islâmicas na porção paquistanesa da Caxemira, que lutam contra a administração indiana. Nova Délhi acusa as facções de matarem dezenas de milhares de pessoas em 16 anos.

- Indicamos as nossas necessidades ao governo indiano - afirmou a ministra das Relações Exteriores do Paquistão, Tansim Aslam.

Islamabad fez uma lista de materiais que a Índia poderia fornecer, como tendas, plástico, alimentos, medicamentos, colchões e cobertores, informou o primeiro-ministro indiano, Atal Behari Vajpayee, que se reuniu com o embaixador paquistanês. Serão 25 toneladas de suprimentos.

- O primeiro-ministro ordenou o envio desses itens em regime de urgência - disse o chanceler indiano, Shyam Saran, em entrevista coletiva.

Mas o governo não comentou a maior necessidade do Paquistão: helicópteros para o resgate de vítimas, já que as estradas estão bloqueadas. Essa é uma demanda que a Índia poderia rapidamente suprir. Outro tema que ficou de fora foi a livre circulação de civis na Caxemira, pedida por líderes separatistas.

A Casa Branca também anunciou o primeiro envio de US$ 50 milhões ao governo de Islamabad, um de seus principais aliados na guerra contra o terrorismo. Os Estados Unidos disponibilizaram, ainda, dois aviões de transporte C-130 com material de primeiros socorros.

As maiores contribuições, no entanto, foram de países muçulmanos. O Kuwait enviou US$ 100 milhões, assim como os Emirados Árabes Unidos.

Já o comitê francês para a anulação da dívida dos países do Terceiro Mundo pediu a suspensão da dívida do Paquistão em comunicado. A dívida externa pública do país é superior a US$ 30 bilhões.

A devastação provocada pelo terremoto mostrou-se superior ao imaginado quando equipes de resgate chegaram às áreas devastadas, como a província Fronteira do Noroeste e Muzaffarabad, capital da Caxemira paquistanesa.

- Perdemos tudo. Não temos roupas, nem comida. Não temos nada - disse Asim Butt, um morador da cidade.

- A Caxemira transformou-se em um cemitério - afirmou Sikander Hayat Khan, primeiro-ministro da região.

Já a alta comissária do Paquistão para a Grã-Bretanha, Mahleelah Lodhi, agradeceu a ajuda internacional, mas afirmou que precisava de mais, sobretudo para a futura reconstrução das cidades.

- Estamos enfrentando uma catástrofe, os esforços precisam ser em grande escala.