Valor Econômico, v. 20, n. 4905, 20/12/2019. Política, p. A11
 

Flávio vai ao STF para tentar barrar inquérito
 Luísa Martins
 Fabio Murakawa
 Isadora Peron


 

A defesa do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) acionou ontem o Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar as investigações do Ministério Público sobre suposto esquema de corrupção em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Protocolado um dia depois do cumprimento de 24 mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao parlamentar, o habeas corpus (HC) se insurge contra decisão proferida em junho pelo ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que rejeitou a suspensão das apurações sobre Flávio.

No Supremo, o HC foi distribuído ao ministro Gilmar Mendes. Até o fechamento desta edição, o ministro ainda não havia deliberado. Ele pediu com urgência informações ao Ministério Público do Rio de Janeiro, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Justiça local, o que sinaliza que a decisão deve caber ao presidente da Corte, ministro Dias  Toffoli, analisar os casos urgentes que chegarem ao STF.

Anteontem, a Polícia Federal (PF) vasculhou loja de chocolates da qual Flávio é sócio e mirou outras pessoas relacionadas ao senador, como o ex-assessor Fabrício Queiroz e familiares de sua ex-madrasta Ana Cristina Valle. As diligências fazem parte da investigação sobre a “rachadinha”, esquema de desvios de salários de servidores na Alerj.

Em seu despacho de 21 de junho, Fischer escreveu não vislumbrar o constrangimento ilegal alegado pela defesa do senador, que é filho mais velho do presidente. Para o ministro, a investigação é lícita e as movimentações bancárias suspeitas são, de fato, indícios da prática do crime de lavagem de dinheiro.

Após um dia evitando a imprensa, Bolsonaro respondeu ontem a perguntas de jornalistas sobre episódio envolvendo o próprio filho. Questionado se acredita tratar-se de uma armação, insinuou a participação do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), no caso - e afirmou não dar palpites em decisões de outros Poderes.

O presidente falou por mais de dez minutos, sob a chuva, ao deixar o Palácio da Alvorada. Disse inicialmente que, diante do amplo noticiário sobre a operação do MP do Rio, não responderia sobre “outros casos” que não a questão indígena.

Ao se aproximar dos repórteres, Bolsonaro começou com um discurso: “Pessoal da imprensa, tenho o maior prazer em conversar com vocês. Quando descamba para um lado pessoal dos outros, eu não vou responder. Não dou palpite em decisões de outros poderes”, afirmou. “O Brasil é muito maior do que pequenos problemas. Os meus, eu falo sobre mim. Os dos outros, não tenho nada a ver com isso.”

Bolsonaro citou alguns casos em que seu nome foi envolvido, como a acusação de racismo feita contra ele pela deputada Maria Rosário (PT-RS) e a citação a seu nome por um porteiro do condomínio onde morava, no Rio, onde também moravam suspeitos de assassinar a vereadora Marielle Franco (Psol), em março de 2018.

Ao citar o governador do Rio como partícipe da investigação do MP contra Flávio, disse: “Vocês sabem o caso do Witzel comigo. Foi amplamente divulgado aí, inteligência levantou. Já foi gravada conversa entre dois marginais, citando o meu nome, para dizer que eu sou miliciano”. Ele não detalhou a que gravação ou grupo de inteligência se referia.

Flávio, Queiroz e outros ex-assessores do senador estão entre os alvos da operação que remonta ao período em que o senador foi deputado estadual no Rio, entre 2007 e 2018.

As investigações chegaram a ser suspensas temporariamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas liberadas depois que a Corte decidiu não haver necessidade de aval judicial prévio para que órgãos de inteligência compartilhem dados fiscais sigilosos com o MP, para fins penais.

A apuração teve início quando o então Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou uma série de movimentações financeiras suspeitas nas contas de Fabrício Queiroz - uma delas, segundo os investigadores, envolviam cheque de R$ 24 mil depositado na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

De acordo com o antigo Coaf, rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF), Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Desde que o caso veio à tona, há cerca de um ano, a família Bolsonaro tem negado participação em ilegalidades.

O presidente esteve anteontem com Flávio e com o advogado da família, Frederick Wassef, no Palácio da Alvorada. Questionado sobre a reunião, que não constava em sua agenda pública, respondeu apenas que o advogado o defendia no caso Adélio Bispo, autor da facada que sofreu durante evento de campanha em Juiz de Fora, em setembro de 2018. O trio ficou reunido das 19h45 às 21h20.