Valor Econômico, v. 20, n. 4905, 20/12/2019. Opinião, p. A16

Governo não tem um plano decente de criação de vagas

 

Há problemas de toda ordem na medida provisória que cria o Emprego Verde e Amarelo. Apenas sua intenção tem algum mérito - mitigar a chaga do desemprego entre a população jovem, a mais atingida. Como tem sido frequente no governo de Jair Bolsonaro, programas específicos vão muito além de seu objeto na regulamentação e, na maioria esmagadora dos casos, para retirar benefícios.

Logo após ser eleito, o presidente Jair Bolsonaro resumiu em uma frase qual o nível de proteção que pretendia atingir na reforma das relações do trabalho no país: “Perto da informalidade”, disse. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem cumprido à risca a determinação. A MP 905 institui até mesmo o recolhimento de 7,5% sobre o seguro desemprego, uma desumanidade que pode ter selado a morte do programa. A essa “sacada” se juntaram uma série de outras, que não foram apontadas por críticos do governo, mas por avaliações de técnicos de repartições do próprio Ministério da Economia.

Desonerações para estimular empregos são caras e de eficácia bastante duvidosa. O ministro Paulo Guedes e sua equipe, no entanto, prosseguem em sua intenção de, sempre que possível, reduzir a contribuição previdenciária das empresas depois de aprovada a reforma que justamente procurava obter algum equilíbrio futuro. Para retirar essa contribuição  do programa Verde e Amarelo, jogou a conta para o seguro desemprego - de todos e definitivamente. Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente, a arrecadação a ser obtida, de R$ 12,7 bilhões, será superior à renúncia de arrecadação, de R$ 11,3 bilhões de janeiro de 2020 a dezembro de 2022.

O empregado pelo novo programa não receberá metade da multa do FGTS em caso de dispensa (20%) e o recolhimento patronal do fundo cairá de 8% para 2%. As empresas serão dispensadas de recolher 2,5% do salário educação e 3% ao Sistema S. Estudo do Ministério da Fazenda apontou que o custo médio por empregado será alto, de R$ 1.630,76, para criar vagas de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.497).

A propaganda oficial fala do potencial de criação de 1,8 milhão de empregos. A Fazenda apontou que só 270 mil poderão ser atribuídos a ele, enquanto que 1,52 milhões seriam gerados pelo crescimento previsto da economia. Não há, no entanto, qualquer erro - a intenção é de que todo novo emprego tenha as menores garantias possíveis para os empregados.

O parecer da Fazenda aponta um problema evidente do programa - a substituição de trabalhadores que recebem mais por outros que recebem menos, que se enquadram na faixa do programa. O texto da MP determina que ela se aplicará “exclusivamente para novos postos de trabalho”, mas abre o caminho para isso ao permitir “substituição transitória de pessoal permanente”. É função da fiscalização do trabalho coibir burlas. Na proposta de orçamento de 2020, porém, o governo cortou em 63% a verba destinada a este fim. Reservou R$ 26 milhões para tudo: inspeções de segurança e saúde, cumprimento de obrigações trabalhistas e combate ao trabalho escravo.

A MP é uma avant-première do que o ministro Paulo Guedes pretende com sua Carteira de Trabalho verde-amarela. Além disso, extrapolou. A MP muda as regras das folgas semanais e libera o trabalho aos domingos e feriados para todas as categorias, algo que o Congresso já havia rejeitado quando avaliou a reforma trabalhista. Modifica a carga de trabalho dos bancários e permite a abertura de agência aos sábados, passando por cima de convenções coletivas e do acordado sobre o legislado - uma das premissas da reforma aprovada.

Mesmo ao reduzir os direitos dos empregados, a MP não descuidou de reduzir também a punição a quem os descumpre. A MP estabelece o IPCA para as multas, mas apenas a partir da data da condenação até o pagamento efetivo. Com a morosidade da Justiça, os longos meses até o julgamento, não entrariam no cálculo, algo que até advogados pouco sagazes  intuem que será barrado na Justiça.

O peso das obrigações sobre a folha de salários é um problema, assim como o é a carga tributária em geral. Mas mão de obra não é apenas custo. O Ministério da Economia, na teoria, sob aplausos, prescreve que é preciso aumentar a produtividade do trabalho, logo a qualificação do trabalhador (que se relaciona de perto à distribuição da renda). Na prática, faz o contrário, talvez acredite que informalidade rima com modernidade. É a fórmula do atraso perpétuo.