Valor Econômico, v. 20, n. 4905, 20/12/2019. Finanças, p. C1

 

BC minimiza espaço para cortar juro indicado pelas projeções de inflação
  Alex Ribeiro
  Estevão Taiar
  Fabio Graner 



O diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Fabio Kanczuk, minimizou a importância das baixas projeções oficiais de inflação - que mostram espaço para os juros caírem dos atuais 4,5% ao ano para menos de 4% ao ano - nas próximas decisões de política monetária. Ele destacou o papel do balanço de riscos para a inflação, em um momento em  que os dados econômicos dão sinais ambíguos sobre a velocidade de retomada da atividade e do preenchimento da capacidade ociosa da economia.

“Não há uma ligação mecânica entre uma coisa e outra”, disse ontem na entrevista sobre o Relatório Trimestral de Inflação (RTI), quando foi questionado se as projeções não indicavam espaço para mais estímulos monetários em 2020. “A projeção do modelo não é uma estatística suficiente para a política monetária”, afirmou. Participantes do mercado  financeiro vinham sustentando que as projeções de inflação do BC para 2020, que estão no máximo em 3,7%, ante uma meta de 4%, indicam espaço para quedas adicionais dos juros. Para Copom, dados são ambíguos sobre a velocidade de preenchimento da capacidade ociosa.

“Há o balanço de riscos”, disse Kanczuk, referindo-se a fatores que podem fazer a inflação se acelerar mais do que o indicado nas projeções. “Essa projeção mostra um cenário, que é o cenário base. O Copom [Comitê de Política Monetária] analisa uma gama de outros cenários, com uma gama de outros modelos.”

Em reunião na semana passada, o Copom cortou os juros básicos da economia de 5% ao ano para 4,5% ao ano e avisou que as decisões de política monetária a partir do próximo encontro, em fevereiro, seriam tomadas com “cautela” e com base na evolução dos dados econômicos. Ata desse encontro, divulgada na terça-feira, revelou que alguns membros do  colegiado estão preocupados com o risco de um eventual preenchimento mais rápido do que o esperado na capacidade ociosa levar a uma inflação maior.

Ontem, na mesma entrevista, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deu mais detalhes sobre as discussões dentro do comitê acerca da capacidade ociosa. “Nosso consenso é que o hiato [do produto, uma medida de ociosidade da economia] ainda está bastante aberto”, disse, frisando em seguida: “Isso é um consenso”. Mas ele revelou que  houve visões diferentes dentro do Copom sobre quando essa capacidade da economia pode ser preenchida. “Alguns membros [do Copom] achavam que [o hiato] poderia estar fechando mais rápido”, completou.

No Relatório de Inflação, o BC revisou sua projeção para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, de 0,9% para 1,2%, e de 2020, de 1,8% para 2,2%. A revisão para o ano que vem foi feita principalmente em função de melhores perspectivas para os investimentos, segundo o diretor do BC.

Mas tanto Campos quanto Kanczuk destacaram a ambiguidade dos números em mostrar a velocidade da recuperação da economia e do preenchimento da capacidade ociosa. Kanczuk disse que dados do comércio, de serviços e do emprego formal indicam uma recuperação mais forte nos últimos meses. Todavia, dados como o uso da capacidade instalada da indústria e  da taxa de desemprego ainda não têm mostrado uma alta clara. Campos disse que, consultando analistas do mercado privado, colheu visões distintas, com alguns prevendo um preenchimento da capacidade ociosa de forma mais rápida e outros, mais lenta. “A gente tem se debruçado sobre o tema”, disse o presidente do BC.

Ele também citou a maior incerteza a respeito de como os cortes de juros básicos vão se transmitir para a atividade econômica e inflação, uma das preocupações elencadas no balanço de riscos. Campos listou fatores que, na avaliação do BC, têm transformado o mercado de crédito, num contexto de juros básicos na mínima histórica: expansão do crédito  livre e redução do direcionado; avanço do mercado de capitais; incentivos ao microcrédito e ao cooperativismo; e crescimento das plataformas digitais, entre outros.

“Estamos vivendo uma experiência nova nesse sentido”, afirmou. “Várias medidas foram tomadas ao mesmo tempo. Isso aumenta um pouco a incerteza sobre qual vai ser o efeito global [da queda de juros], porque você tem várias medidas ao mesmo tempo, transmitindo mais potência na política monetária. ”

A projeção do BC para o crescimento do crédito em 2020 foi mantida em 8,1%, mas a estimativa para o crédito livre passou de 11,4% para 12,9%, enquanto a projeção para a expansão do direcionado caiu de 3,6% para 1,6%.

“O crédito agora é muito mais livre e muito menos direcionado. Isso se relaciona diretamente com política monetária”, disse Kanczuk. “Essa mudança de perfil, de como está funcionando o Brasil em termos de intermediação financeira, crédito e mercado de capitais, torna a política monetária mais potente.”

Kanczuk também minimizou a alta do déficit em conta corrente como um fator que possa limitar o crescimento da economia. Projeções do balanço de divulgadas no relatório estimam um déficit em conta corrente de 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 e de 3,1% do PIB e 2020. “Vejo isso como algo tranquilo”, disse. Ele destacou um boxe do relatório que mostra que a queda da exportação brasileira em 2019 teria sido de apenas US$ 300 milhões, em vez de US$ 10,6 bilhões, se não fosse a crise na Argentina e a gripe suína na China.