O Globo, n. 32645, 23/12/2022. Opinião, p. 2
O governo Lula 3 e o papel das mulheres
Vera Magalhães
O governo Lula 3 vai se encaminhando para ser aquele com mais mulheres no primeiro escalão na posse desde a redemocratização. São seis as escolhidas até agora e, dados os nomes cotados, é bem provável que o número final supere as nove designadas para a largada do primeiro mandato de Dilma Rousseff.
Trata-se de um avanço enorme, sobretudo diante da comparação com o governo Jair Bolsonaro, que começou com apenas duas mulheres no primeiro escalão, terminou com uma e, no auge, tinha três representantes femininas na equipe.
A melhor notícia foi a designação da primeira mulher para o Ministério da Saúde. A nomeação de Nísia Trindade tem um enorme peso concreto e simbólico. Foram mulheres algumas das principais vozes de resistência ao negacionismo e ao boicote a vacinas e medidas sanitárias de Bolsonaro no curso da pandemia, e a Fiocruz, dirigida pela futura ministra, esteve na linha de frente do enfrentamento da emergência sanitária.
Dada a necessidade de levantar o Programa Nacional de Imunizações dos escombros a que o bolsonarismo o jogou e de reorganizar o Sistema Único de Saúde, o nome não poderia ser melhor.
A decisão de tirar dos partidos uma das pastas mais cobiçadas, dados seu orçamento polpudo e sua capacidade de fazer política na ponta, também é um sopro de ar fresco numa escalação de ministério ainda eivada de velhos vícios, sendo o predomínio petista sobre as pastas mais vistosas o maior deles.
A escolha de outra mulher para a Ciência e Tecnologia também tem a mesma relevância histórica, depois do desmonte promovido na pesquisa e na academia e do desprezo demonstrado pelo ainda presidente pelo saber científico, sem o qual nossa tragédia no enfrentamento da Covid-19 teria sido ainda maior. Sim, trata-se de uma pasta com pouco alcance de recursos, mas é o típico caso em que haverá incremento devido a uma espécie de premissa de Tiririca, “pior do que está, não fica”.
Mas nem tudo são boas notícias no desenho da participação feminina no ministério. O imbróglio desnecessário criado para tentar contemplar Marina Silva e Simone Tebet, duas aliadas essenciais em momentos diferentes da campanha, tem tudo para deixar sequelas na largada da nova gestão.
Da mesma maneira, a decisão de preterir Izolda Cela em favor de Camilo Santana e de deixar de anunciar outra conquista histórica, a primeira mulher no ministério mais crucial da Esplanada, também é daquelas que mostram um Lula com dificuldade de se lançar num arranjo de fato amplo e arrojado de governo, que dê conta dos desafios em tudo novos em relação a seus dois outros mandatos.
Não que Santana não seja um excelente quadro, mas o excesso de pastas dadas a homens petistas mostra que, ao partido, interessa mais se guarnecer para a disputa de 2026 do que abrir mão de espaços em nome de uma governabilidade complexa e ainda não claramente desenhada. Com risco excessivo ao desfalcar o Senado de até aqui quatro titulares, quando vem aí uma tropa de choque bolsonarista na Casa de tapete azul.
A ideia de oferecer a Simone justamente a pasta para a qual Marina é vetada traz ainda um componente atroz de querer antagonizar duas possíveis pré-candidatas em 2026, que tiveram empatia forte nas ações da campanha. Péssimo sinal para um presidente que, nos dois primeiros discursos depois de eleito, repetiu um mantra que vai caindo por terra antes da posse: que não faria um governo petista.