Valor Econômico, v. 20, n. 4907, 24/12/2019. Brasil, p. A4

 

Total de dependentes cresce depois de 60 anos
 Bruno Villas Bôas 


 

O envelhecimento da população brasileira começou a se refletir no número de pessoas consideradas dependentes no país. Após 60 anos em queda, a razão de dependência de idosos e crianças em relação à população potencialmente ativa (com idade entre 15 e 64 anos) estabilizou-se no ano passado e passou a crescer neste ano, iniciando um ciclo que vai se estender pelas próximas décadas com implicações para a economia e para as famílias.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a chamada razão de dependência total estava em 44,0 em 2017. Isso significa que existiam 44 pessoas dependentes para cada cem pessoas em idade ativa naquele ano. Essa razão mostrou estabilidade no ano passado (44,0) e passou a crescer em 2019, para 44,1 por cada cem pessoas em idade ativa. O movimento, modesto, marca a inflexão na transição demográfica.

Segundo o demógrafo Márcio Minamiguchi, pesquisador do IBGE, esse indicador estava em queda desde a década de 60, quando existiam 90,2 dependentes para cada cem pessoas em idade ativa. Era o tempo em que a taxa de fecundidade estava em seis filhos por mulher e a taxa de mortalidade declinante. Nas décadas seguintes, as famílias seriam compostas por cada vez menos crianças, até atingir os níveis atuais, de 1,7 por mulher.

“O idoso formava nos anos 60 e 70 um grupo pequeno da população, de forma que o número de dependentes nas famílias estava concentrado nos filhos com 14 anos ou menos de idade”, diz Minamiguchi. “Desde aquela época, o número de idosos vem crescendo ano após ano, mas as famílias também tinham cada vez menos filhos. Então, o número de dependentes era declinante. E foi assim até 2018.”

O fenômeno recente de aumento da razão de dependência é puxado pelo avanço do número de idosos. A relação de crianças de até 14 anos para cada cem pessoas em idade ativa recuou de 30,7 no ano passado para 30,4 neste ano, por cem pessoas em idade ativa. O indicador de dependência de pessoas com 64 anos ou mais, porém, cresceu de 13,3 em 2018 para 13,7 em 2019. Nos próximos 40 anos, a razão de dependência de idosos deve triplicar para 42,6.

“É um conceito estatístico, importante para entender e analisar a tendência demográfica e da economia. O dados não medem se o idoso é efetivamente dependente do ponto de vista financeiro, se tem aposentadoria própria ou não”, explica Minamiguchi. “É um processo que alguns países já passaram, outros não.”

O demógrafo e economista José Eustáquio Alves diz que o envelhecimento da população deve criar novas demandas nas próximas décadas.

“A dependência era alta nos anos 60 por causa das crianças, mas o custo de mantê-las era baixo”, explica o especialista. “A dependência vai crescer agora puxada por idosos, que têm custo mais alto para famílias devido a despesas com saúde. E haverá uma número menor de filhos para mantê-los.”

Com um número crescente dependentes sustentados pela população adulta, o crescimento do PIB per capita é dificultado. O movimento traz implicações também para a Previdência. A demografia foi, ao lado do combate aos privilégios, um dos argumentos usados pelo governo para a aprovação da reforma da Previdência no ano passado.

Daqui para frente, a razão de dependência total (crianças e idosos) continuará crescendo. O indicador deve alcançar a proporção de 50 em 2035 e 52 em 2040. No início da década seguinte, terá atingido a marca de 59,5 para cada cem pessoas em idade ativa. No último ano de projeção populacional do IBGE, em 2060, o índice estará em 67,2, um nível semelhante ao apresentado hoje pelo Japão (69), segundo dados do Banco Mundial.

Por isso, Alves lembra da importância de aproveitar a transição demográfica do país (o período de queda da fecundidade e mortalidade), o chamado bônus demográfico. “Todos os países do mundo com alto IDH e qualidade vida aproveitaram o bônus demográfico. É condição ‘si ne qua non’ para o alto padrão de vida e não o estamos aproveitando plenamente”,  diz o demógrafo.

Parte dos especialistas considera que o país vive neste momento o auge do seu bônus demográfico, e não o seu fim, já que o número de dependentes em relação à população em idade ativa está em seu ponto mais baixo. É como se a janela estivesse agora “escancarada”, mas começando seu processo de fechamento. O bônus demográfico chegaria ao fim quando a razão de dependência for superior a 50 para cada cem pessoas em idade ativa, o que deve ocorrer em 2035.

Para economistas, porém, o bônus chegou ao fim com o crescimento da população em idade ativa menor do que o restante da população. Ou seja, quando razão de dependência passou a crescer, como ocorre neste exato momento. “Do ponto de vista econômico, o que importa é diferença entre a taxa de crescimento da população economicamente ativa e a população total”, diz Samuel Pessôa, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Ele explica que a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto é dado pela soma das taxas de produtividade do trabalho, da razão de dependência (invertida) e de crescimento da população. “O bônus demográfico acabou, a janela se fechou. Mas não estamos condenados a nada, não estamos condenados a ser um país de renda média. O futuro depende de nós”, diz Pessôa.

Para o economista da FGV, a saída para o país seria o ganho de produtividade, com melhor a qualidade na educação, absorção de tecnologias, além de seguir com reformas institucionais. Ele defende a importância da aprovação das reformas administrativa e tributária, além da maior abertura da economia. “Avanços também têm sido feitos nesse sentido de  ganho de produtividade na economia, como a reforma da Previdência e trabalhista”, afirma Pessoa.