Valor Econômico, v. 20, n. 4907, 24/12/2019. Opinião, p. A10


Investigações no Rio deixam Bolsonaro muito irritado

 


O presidente Jair Bolsonaro termina o ano à beira de um colapso nervoso. O Ministério Público do Rio de Janeiro apresentou um volumoso relatório com indícios de participação do senador Flávio Bolsonaro no esquema de “rachadinha” - apropriação de parte dos salários de funcionários que nomeou - e lavagem de dinheiro quando era deputado estadual no  Rio. Na primeira vez que abordou o assunto, o presidente disse que eram “pequenos problemas” e que nada tinha a ver com eles. Na sexta, diante do mesmo tema, Bolsonaro despejou uma coleção de insultos sobre os jornalistas - ofendeu a mãe de um e chamou outro de homossexual - indo além do próprio baixo padrão de tratamento que criou até perto do completo desequilíbrio.

Desde que foi ocupar o Palácio do Planalto, o presidente empodera e protege seu clã familiar. Em mais de uma ocasião, o presidente deixou claro que a palavra dos filhos vale mais a de que a do governo inteiro. Bolsonaro, porém, ultrapassa limites que seria conveniente respeitar.

Na sexta passada, ele atacou as instituições que cumprem a lei e fazem seu trabalho pelo simples fato de que o investigado é seu filho. Flávio primeiro, e seu pai depois, atacaram o juiz Flávio Nicolau, da 27ª Vara, que autorizou a operação de busca e apreensão em endereços ligados ao filho e assessores. Ambos levantaram suspeitas em relação à  filha do juiz, Nathalia Nicolau, que trabalha no governo de Wilson Witzel. Por fim, Bolsonaro disse que Witzel é o artífice de uma armadilha cujo alvo principal é o presidente da República. Bolsonaro diz ter informações de que marginais estariam sendo instados a mencionar o presidente de forma comprometedora nas investigações. Se existem gravações, não apareceram.

As coisas seriam mais fáceis para Bolsonaro, e mais republicanas, se ele não tentasse desmoralizar o trabalho do MP e da Justiça a priori, sem sequer saber ao certo quais as provas que podem incriminar o primogênito. Além disso, há personagens na história que podem trazer dor de cabeça à família. Fabricio Queiroz é amigo de longa data de Jair Bolsonaro, participava das rachadinhas e tinha relações conhecidas com milicianos, como Adriano, um chefe de quadrilha foragido e condecorado na cadeia pelo deputado Flávio. Do novelo da rachadinha desenredaram-se apartamentos vendidos com muita valorização, possível lavagem de dinheiro, e agora uma franquia de chocolates. No meio do caminho surgiram também um cheque de R$ 20 mil de Queiroz para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e suspeitas fortes sobre a ex-mulher do presidente, Ana Valle e 9 parentes seus, lotados no gabinete de Flávio no Rio, mas que “trabalhavam” em Resende.

No sábado, para amenizar a péssima impressão de seus chiliques, o presidente conversou serenamente com os jornalistas e disse: “Se eu não tiver a cabeça no lugar, eu alopro”. A história de milicianos, rachadinhas e funcionários fantasmas rondam Bolsonaro há muito. Há riscos de contágio para a popularidade do presidente, que continua a cair, apenas com mais vagar.

O estilo de Bolsonaro levou 56% dos entrevistados da pesquisa CNI/Ibope a dizer que não confiam no presidente, 53% a desaprovar sua forma de governar e a 38% qualificar seu governo de ruim e péssimo, alta modesta, porém perceptível. Na pesquisa do Datafolha, de 8 de dezembro, o presidente Bolsonaro estacionou em 30% de ótimo/bom e, nos detalhes, percebe-se que a melhora da economia foi um dos pontos que mais contribuiu a suavizar a perda de prestígio.

Mas no núcleo de suas bandeiras de campanha as coisas não vão bem e podem piorar com o desenrolar de investigações sobre o filho. A história da “nova política” não durou um mês, mesmo sabendo-se que Bolsonaro é veterano de três décadas, empregou funcionária fantasma em Angra dos Reis e empurrou todos seus filhos para a política. A implosão do PSL,  com a ajuda dos filhos, exibiu espetáculos de oportunismo, em busca de milhões do fundo eleitoral, que nada tem a ver com a ideologia. O PSL é fruto da “velha política” e nunca deixou de sê-lo.

No Datafolha, a taxa de aprovação quanto ao combate à corrupção caiu de 34% para 29%. Educação e meio ambiente, com ministros fanáticos bolsonaristas, foram consideradas ótimas ou boas por apenas 23% e 21%. A melhora da economia vai contar pontos positivos, que podem não ser suficientes para compensar muito a deterioração das avaliações sobre saúde, educação e, vital para Bolsonaro, segurança e luta anticorrupção, suas promessas centrais.