O Globo, n. 32646, 24/12/2022. Brasil, p. 8

Último indulto de Bol­so­naro per­doa PMs de Caran­diru

Jussara Soares
Lucas Altino


O presidente Jair Bolsonaro usou o seu último decreto de indulto de Natal para incluir o perdão a agentes de forças de seguranças condenados por crimes de mais de 30 anos. Na prática, a medida perdoa os 69 policiais condenados pelo Massacre do Carandiru, que deixou 111 presos mortos em uma invasão da Polícia Militar ao complexo presidiário (cinco réus já morreram). O decreto diz que o indulto será concedido a agentes de segurança pública "que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática". O trecho não constava nos indultos concedidos nos três anos anteriores. O Massacre do Carandiru completou 30 anos em 2 de outubro. A lei de crimes hediondos é de 1990, mas a inclusão de homicídios qualificados nesta classificação só ocorreu em 1994. Para integrantes do Ministério Público ouvidos pelo GLOBO, o texto não deixa dúvidas sobre o favorecimento aos PMs condenados no Massacre do Carandiru. O Movimento Nacional de Direitos Humanos informou que vai apresentar na segunda-feira uma representação ao Ministério Público Federal contra o decreto. Segundo o advogado Carlos Nicodemos, o indulto violou princípios da administração pública, como o da impessoalidade, além de ser um abuso de discricionariedade (liberdade da administração pública).

— Quando se privilegia uma determinada pessoa, sem critérios gerais de concessão de indulto, temos um vício de finalidade do decreto. Além disso, se criou uma confusão jurídica, porque na prática ele funciona como uma graça — criticou, referindo-se a outro tipo de perdão que um presidente pode conceder, a indivíduos determinados. — É a reafirmação do compromisso do governo que está saindo em privilegiar ações, fatos e histórias que violam os direitos humanos, a dez dias para acabar a gestão.

A Human Rights Watch também criticou o decreto. — Trata-se de um sórdido recado de que os mais absurdos excessos e abusos policiais podem ser cometidos com absoluta impunidade — afirmou Maria Laura Canineu, diretora da ONG.

"Felizes, em termos"

O advogado que defende os condenados (que nunca foram presos) já pediu à Justiça que eles sejam beneficiados pelo decreto. Mas Eliezer Martins disse não haver direcionamento no indulto.

—O presidente só exerceu sua competência de conceder essa decisão aos agentes que se enquadrem nessas condições. Ela me parece muito justa — afirmou Martins, para quem o decreto garante o princípio constitucional de "razoável duração do processo penal". Martins lembrou que os réus não foram condenados

Na segunda instância. Mas em agosto, o ministro Luís Roberto Barroso rejeitou um recurso da defesa e o STF declarou que as condenações já transitaram em julgado. Assim, caberia ao Tribunal de Justiça de São Paulo apenas decidir o tamanho das penas. — Evidente que os réus ficaram felizes, em termos. Mas isso não apaga o dano que a condenação já causou. Eram soldados, sargentos, tenentes, que só cumpriram ordens. Entraram no Carandiru, inundado de fumaça e sangue, com armas de fogo e determinação para disparar em defesa da própria vida. O Estado não conseguiu apurar quem cometeu excessos — afirmou Martins.

"É a reafirmação do compromisso do governo que está saindo em privilegiar ações, fatos e histórias que violam os direitos humanos" _ Carlos Nicodemos, Movimento Nacional de Direitos Humanos

"O presidente só exerceu sua competência" _ Eliezer Pereira Martins, advogado dos PMs condenados