O Globo, n. 32648, 26/12/2022. Brasil, p. 7

Verba guarda-chuva

Bruno Abbud
Eduardo Gonçalves


O futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, usou a PEC da Transição para fortalecer as verbas destinadas a prevenir enchentes e desastres ocasionados pelas chuvas de verão. Com a ampliação do orçamento aprovada pelo Congresso, os recursos para "apoio à execução de projetos e obras de contenção de encostas em áreas urbanas" saltaram de R$ 2,7 milhões para R$156,7milhões, um aumento de 5700%.

Os recursos chegam em meio a um ciclo de tempestades e enchentes que atingem diversas cidades brasileiras nos últimos dias. Ontem, em alerta válido até a manhã de hoje, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontou o risco de precipitações acumulando até 60 mm/he de ventos de 100k/h, com previsão de chuvas intensas em ao menos 12 estados, concentradas no Centro-Oeste, no Triângulo Mineiro e regiões Norte e Nordeste.

Parte do dinheiro previsto será para obras em andamento, como a contenção de declives e drenagem em Salvador, Recife e Petrópolis, na Região Serrana do Rio, onde morreram 234 pessoas por causa das chuvas em fevereiro. Em uma apresentação do grupo técnico do Desenvolvimento Regional a que O GLOBO teve acesso, a equipe concluiu que é preciso um valor mínimo de R$ 50 milhões para concluir 36 obras inacabadas na área de prevenção de desastres naturais.

O Orçamento de 2023 reserva R$ 21 milhões para obras de contenção de encostas nas áreas urbanas de Salvador. Outros R$300 mil reais foram destinados para o mesmo fim no Espírito Santo.

— Não dá ainda para saber o que vai ser feito em obras, detalhadamente, sem antes saber quem vai assumir o Ministério das Cidades, que vai operar essa política. As prioridades ainda vão ser definidas. Por enquanto, o dinheiro vai para as obras já iniciadas — afirma o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), que discutiu os temas relacionados à prevenção de desastres naturais durante a transição.

Corte de 94%

Este ano, o governo Jair Bolsonaro promoveu um corte de 94% para projetos de contenção de encostas. O recurso destinado para este fim havia saído de R$53,9 milhões neste ano para R$ 2,7 milhões em 2023, suficiente para atender apenas a 2 mil pessoas. Na ocasião, integrantes da equipe de transição criticaram o valor.

— É como se tivéssemos apenas R$ 500 para cada uma das 5,5 mil cidades do Brasil. Isso beira a irresponsabilidade — reclamou o ex-governador de São Paulo, Márcio França (PSB), que integrou o grupo sobre Cidades.

Na sexta-feira, França foi anunciado como o futuro ministro de Portos e Aeroportos. Na transição, ele participou dos trabalhos que buscaram enumerar as prioridades para a área de contenção de desastres naturais.

Entregue ao presidente Lula na quinta-feira, o relatório final do grupo de transição concluiu que o governo Bolsonaro terminará "em meio a uma ameaça real de colapso dos serviços públicos" na área de prevenção de desastres, historicamente sob responsabilidade do Ministério das Cidades. O tema passou os últimos quatro anos sob o guarda-chuva do Ministério do Desenvolvimento Regional, que deve ser dividido em duas pastas — Integração Nacional e Cidades — a partir de 1º de janeiro.

"Não existem recursos para a Defesa Civil e a prevenção de acidentes e desastres. A gestão de riscos e prevenção a desastres climáticos também foi desarticulada, mesmo diante de um cenário de aumento de eventos climáticos extremos", aponta um trecho do relatório.

O apoio a obras de mitigação para a redução de desastres também foi reduzido nos últimos quatro anos, saindo de R$ 2,5 milhões para apenas R$ 25 mil, segundo o texto entregue a Lula. "É evidente a necessidade de complementação orçamentária para a execução de projetos estruturantes, sob risco de paralisação de obras e ações prioritárias para o desenvolvimento regional", alerta.

Somente neste ano, mais de 500 brasileiros morreram em desastres causados pelas chuvas no país, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), de setembro. Em novembro, novas tempestades provocaram deslizamentos em rodovias no Paraná e Sergipe, matando outras três pessoas. Este mês, duas jovens morreram em Santa Catarina e uma criança no Espírito Santo, por deslizamentos de terras que atingiram residências.

A falta de dinheiro levou prefeitos e vereadores a procurarem a equipe de Lula. Um deles foi o de Petrópolis, Rubens Bomtempo (PSB), que foi à diplomação do petista no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e marcou um encontro com o futuro presidente no início de janeiro para pedir recursos para enfrentar as chuvas.

— Por falta de recursos, tivemos até que parar a operação de busca de corpos. Faltam ainda três para serem achados — diz o vereador de Petrópolis Léo França (PSBRJ), em relação à tragédia de fevereiro. Em 30 de novembro, França foi à Brasília entregar seus pedidos ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB-SP).

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Regional não se pronunciou.