Valor Econômico, n. 4949, 28/02/2020. Brasil, p. A6

Superávit surpreende em janeiro com resultado atípico
Lu Aiko Otta
Mariana Ribeiro


O governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) registrou em janeiro um superávit de R$ 44,124 bilhões, melhor resultado para o mês desde o início da série, em 1997. Longe de comemorar, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, afirmou que o resultado “muito acima do esperado” não pode ser extrapolado para o restante do ano. “Com o resultado de um mês, não dá para definir se isso vai ser consistente ou não.”

Ele destacou que, em janeiro, houve crescimento muito forte da arrecadação, influenciado por receitas atípicas. A receita líquida total do governo central chegou a R$ 151,691 bilhões, 6,4% a mais do que em janeiro de 2019.

Ao mesmo tempo, houve queda de 3,3% nas despesas, impactadas por dificuldades dos ministérios na execução do orçamento, mesmo com os recursos disponíveis. No mês, foram gastos R$ 107,567 bilhões.

Alguns dos fatores que impulsionaram o superávit em janeiro podem reduzir o resultado de fevereiro, explicou o secretário. Por causa da arrecadação elevada no mês passado, haverá uma maior transferência de recursos para Estados e municípios neste mês. Ainda assim, o resultado do bimestre deverá ser melhor do que o visto em 2019, o que abre a possibilidade de, em 2020, o resultado ficar melhor do que a meta, de déficit de R$ 124,1 bilhões.

Para os meses à frente, o surto do novo coronavírus é um fator de incerteza, admitiu Mansueto. Efeitos já podem ser observados nas cadeias produtivas organizadas nos mercados asiáticos, no mercado de commodities e nas projeções de crescimento da economia global. São impactos cuja extensão ainda é desconhecida, mas podem afetar o Brasil. “Temos de estar preparados.”

A Secretaria de Política Econômica (SPE), responsável pelas projeções de crescimento da economia brasileira, deverá atualizar seus cálculos nos próximos dias, informou. O dado é necessário para, entre outras coisas, realizar as projeções de receitas e despesas do governo ao longo do ano, determinar quanto dos recursos do Orçamento poderá ser liberado ou se haverá necessidade de contingenciamento (bloqueio). Esses dados serão divulgados até o dia 22 de março.

Mesmo sem os possíveis impactos do coronavírus, a situação das contas públicas continua crítica, colocou o secretário. “A rigidez orçamentária neste ano é a mesma dos anos anteriores, não está mais flexível”, disse.

Nos 12 meses encerrados em janeiro, o governo federal desembolsou R$ 319,9 bilhões, ou o equivalente a 4,3% do PIB, com o pagamento de benefícios previdenciários. Do total, R$ 219 bilhões foram destinados a bancar o rombo do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), e R$ 100 bilhões, para o Regime Próprio de Previdência Social dos servidores civis, pensões e inativos militares. E os gastos devem crescer neste ano, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, no ano passado.

Não só a Previdência, mas as demais despesas obrigatórias continuarão crescendo em 2020, enquanto as discricionárias, aquelas que o governo tem liberdade para cortar, registrarão relativa estabilidade em relação ao ano passado, chegando a R$ 126 bilhões. De acordo com o secretário, a manutenção do nível das despesas não obrigatórias neste ano já é “um alívio”, considerando que em meados de 2019 o governo enxergava um cenário de queda.

Em janeiro, os investimentos públicos somaram R$ 1,7 bilhão, acima do R$ 1,3 bilhão registrado no mesmo período do ano passado, mas ainda em patamares baixos.

Passado apenas um mês do ano, o governo consumiu 7,12% do teto de gastos disponível para 2020, de R$ 1,455 trilhão. Alguns órgãos, entre eles o Supremo Tribunal Federal (STF), precisarão cortar seus gastos neste ano na comparação com 2019 para se enquadrar à regra.

Já em relação à “regra de ouro”, a insuficiência é de R$ 341 bilhões. No entanto, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano trouxe um artigo que permite o uso do superávit financeiro de anos anteriores.

Considerando esses valores, a necessidade de crédito adicional cai para R$ 78,8 bilhões.