Valor Econômico, n. 4949, 28/02/2020. Brasil, p. A6

Liquidação suspeita de R$ 5 bi em restos a pagar é investigada pelo TCU
Murillo Camarotto
Lu Aiko Otta
Mariana Ribeiro



O Tribunal de Contas da União (TCU) está investigando a liquidação de cerca de R$ 5 bilhões em despesas inscritas como restos a pagar de exercícios anteriores a 2016. Ontem, em entrevista coletiva, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, classificou como “estranhas” as operações, feitas no fim do ano passado.

Segundo o Valor apurou, aproximadamente metade desse montante refere-se a despesas do Ministério da Integração Regional (MDR), cuja estrutura resulta da fusão dos ministérios das Cidades e da Integração Nacional. As liquidações tratam, em sua maioria, de despesas relativas a convênios da União com municípios, possivelmente por meio de emendas parlamentares.

A auditoria do TCU faz parte do processo que analisa as contas do governo federal referentes ao exercício de 2019 - a primeira avaliação da contabilidade do presidente Jair Bolsonaro. O resultado final da análise será apresentado ao plenário entre o fim de maio e o começo de junho, mas em uma primeira leitura a operação foi classificada como um “movimento brusco”.

O objetivo é verificar se as operações foram feitas em desacordo com as normas legais. A liquidação é uma etapa posterior ao empenho dos recursos, que é realizado quando uma determinada despesa é autorizada pelo governo. O ponto é que a liquidação afasta a chance de o pagamento ser cancelado, ou seja, na prática deveria garantir o pagamento.

“Ao liquidar e impedir o cancelamento, essas despesas se tornam ‘restos a pagar processados’ e, assim, não necessitam nova autorização orçamentária”, explicou uma fonte no TCU.

A Controladoria-Geral da União (CGU) também acompanhou o caso, que chamou a atenção pelo grande volume de recursos envolvidos. A alegação do órgão, no entanto, é de que, caso as liquidações tivessem sido feitas até o fim de 2019, não seria mais possível realizar os pagamentos.

“O que aconteceu eu não tenho ideia, mas os órgãos de controle estão olhando”, afirmou Mansueto. Ele explicou que desde o ano passado está em vigor uma regra que permite cancelar os restos a pagar (despesas iniciadas em um ano e concluídas em anos posteriores) antigos.

“No ano passado, a surpresa foi que ministérios que tinham restos a pagar inscritos há dez anos conseguiram liquidar as despesas", disse o secretário. No entanto, não houve pagamento.

“Quando liquida e não tem pagamento, é uma coisa estranha”, disse Mansueto. Uma suspeita a ser averiguada é se os ministérios não fizeram liquidação forçada, ou seja, deram como recebido algo que efetivamente não foi. Essa prática é considerada irregular.

O secretário alegou que, com a possibilidade de liquidar restos a pagar, está em curso um ajuste estrutural no estoque. Até o ano passado, era normal encontrar restos inscritos há oito ou dez anos. Agora, são despesas de dois ou três anos atrás. “Restos a pagar sempre vai ter”, afirmou.

Em janeiro, o estoque de restos a pagar estava em R$ 160 bilhões. Um ano antes, eram R$ 173 bilhões. Mansueto disse que está conversando com o Congresso e o TCU para rever a disciplina dos restos a pagar. Um exemplo é a possibilidade de, ao fim do exercício, direcionar a outras despesas uma verba reservada a um determinado projeto e que não foi usada durante o ano. Procurado, o MDR não se manifestou até a conclusão desta edição.