Valor Econômico, n. 4950, 29/02/2020. Finanças, p. C1

Mercados têm uma das piores sequências de baixa da história
Lucas Hirata
André Mizutani
Gabriel Roca
Rafael Vazquez


A turbulência desencadeada nos mercados globais pela propagação do coronavírus já garantiu seu espaço nos livros de História. Dada a busca por proteção contra os riscos crescentes em torno da disseminação da doença, as bolsas de Nova York registraram na semana passada o tombo mais rápido e mais intenso das últimas décadas, superando as baixas decorrentes da crise financeira global de 2008 e do estouro da bolha de tecnologia em 2000 - e o cenário mais provável é que a volatilidade siga forte nos próximos dias, o que levanta outra discussão: os bancos centrais vão ser levados a agir?

Em apenas seis pregões até a última quinta-feira, os principais índices acionários de Wall Street perderam mais de 10% em relação ao pico recente, entrando assim no chamado “território de correção”, um marco importante para os mercados. Pelas contas do “Financial Times”, por exemplo, essa foi a deterioração mais rápida das ações para o mesmo tamanho de perdas desde 1933 - quando o S&P 500 recuou 13,3% em somente duas sessões.

Embora a epidemia tenha sido o motivador das quedas, analistas apontam que há outros fatores que explicam perdas tão acentuadas. Na opinião de Paul Ehrlichman, diretor gerente e chefe global de value investing da Clear Bridge Investments, havia complacência excessiva nos mercados, em um contexto de alta especulativa suportada pela estratégia conhecida como “momentum” e que é caracterizada pela compra de ações que estão em tendência de alta, independentemente de fundamentos.

Segundo Ehrlichman, os preços das ações estavam excessivamente elevados e os mercados acionários precisavam de uma correção. “Estou falando de empresas em que você paga 20, 30 vezes mais por ação do que a empresa tem em receita. Se você coloca um dólar e tem dois centavos de receita de volta, você não é dono de uma empresa, só de uma ilusão. E os investidores acham isso normal, porque o dinheiro está barato”, afirma.

O tombo dos mercados foi acompanhado pelo salto no índice VIX, conhecido como termômetro do medo de Nova York, que se aproximou de 50 pontos, num dos maiores níveis desde 2008. Dada a sucessão de casos de coronavírus pelo mundo, agora em cinco dos seis continentes do planeta, nenhum mercado saiu imune: o índice europeu Stoxx 600 caiu 12,25% na semana.

Steven Blitz, economista-chefe de EUA da TS Lombard, alerta que, se as bolsas realmente caírem mais daqui para frente, é provável que os gastos do consumidor sejam prejudicados, afetando a economia real - risco que exigiu até um posicionamento do Federal Reserve mostrando prontidão para agir em caso de piora do cenário.

No entanto, a recomendação de boa parte dos analistas para investidores é não entrar em pânico, uma vez que existem grandes chances de uma normalização futura das atividades econômicas. “Uma retomada do crescimento nos trimestres seguintes deve compensar grande parte da queda inicial”, afirma o diretor de investimentos global do Credit Suisse, Michael Strobaek, em nota.

Para Gabriela Santos, estrategista de mercado global no J.P. Morgan Asset Management, os mercados devem continuar bastante voláteis nas próximas semanas, por causa do risco de um impacto mais intenso e prolongado na economia. A tensão deve prevalecer até que haja estabilização no número de casos, uma recuperação mais rápida da atividade na China e uma resposta dos governos globais para dar suporte a empresas e famílias.