O Globo, n. 32650, 28/12/2022. Opinião, p. 2

Haddad com a batuta de maestro

Vera Magalhães


À medida que o ministério de Lula vai ganhando sua conformação final, fica cada vez mais claro que o futuro presidente conferiu a Fernando Haddad a batuta de maestro de uma orquestra grande, na qual os componentes têm influências e estilos distintos, mas que tem de soar coesa e harmnônica, inclusive para conquistar uma parcela bastante hostil da audiência.

Esse papel tem um peso maior na condução da política econômica, mas não só. Não serão poucas as vezes em que caberá ao ministro da Fazenda a missão de apagar incêndios com o Congresso e de coordenar ações também com a cozinha do Palácio do Planalto.
 

Sua nova posição, no coração do governo, difere muito daquela na qual ele permaneceu mais tempo nos governos Lula e Dilma, o Ministério da Educação. Vai exigir mais dos aprendizados duros da Prefeitura de São Paulo, pela complexidade das tarefas e a necessidade de composição, que a relativa tranquilidade de lidar com um tema que, embora de central relevância, ele dominava e para o qual tinha um desenho claro do que pretendia alcançar, como o MEC.

A chegada de Simone Tebet à equipe econômica se inscreve nesse desafio novo. Dos nomes que vão integrar seu time e os ministérios contíguos, é ela aquela com quem o titular da Fazenda tem menos afinidade — nenhuma, na verdade. Vêm de partidos e trajetórias políticas diferentes e sempre professaram ideias bastante díspares a respeito de temas como Previdência, privatizações, gasto público e papel do Estado, para ficar só em alguns dos grandes assuntos que vão pautar o dia a dia das relações entre suas pastas.

A falta de proximidade com Haddad foi uma das razões da senadora para chegar a dizer a interlocutores que achava que o Planejamento não era o melhor espaço para ela ocupar. Mas uma espécie de “resta um” da fase final de definições de espaços no primeiro escalão acabou levando a que ela aceitasse a designação.

Ela precisará colocar à prova seu poder de articulação política demonstrado no comando da Comissão de Constituição e Justiça ou na obtenção de espaço para a bancada feminina na CPI da Covid, para evocar dois episódios de sua mais recente atuação como senadora.

Com uma diferença: embora tenha se destacado como construtora de consensos nessas ocasiões, Tebet sempre teve, como dona do próprio mandato, autonomia para erguer a voz e comprar brigas, fosse com seu partido em ocasiões como a disputa do comando da Mesa do Senado, seja com o próprio comando da Casa, nas gestões Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco.

Agora é diferente. Ela será a única não petista no time econômico, com exceção de Geraldo Alckmin, que, sendo vice-presidente, goza de uma garantia da qual Lula não poderá dotá-la, a de que mesmo que seja deslocado da pasta que lhe foi destinada não pode ser de fato “demitido”.

O jogo de cintura terá de ser dela, mas também do PT, em aceitar uma “forasteira”, e ainda mais uma que tem planos próprios para as eleições de 2026, não necessariamente coincidentes com os do partido. É nessa costura que Haddad terá de exercer sua função de regente.

Para a maionese desandar não custa. Basta que a lógica do palanque de 26 passe a ditar as relações nos primeiros dias, o que seria um erro de condução que poderia comprometer a orquestra de Lula e açular o pedaço da plateia predisposta a vaiar.

Nos últimos anos, quando foi escalado para diferentes missões espinhosas, Haddad tem demonstrado amadurecimento. Essa qualidade será essencial não só nos assuntos concernentes às definições de política econômica, mas na coordenação das diversas áreas do governo. Ele e Tebet não tinham conversado ainda quando ela aceitou integrar a futura administração. Caberá ao petista ter a sabedoria de integrar a recém-chegada ao corpo de instrumentistas sem deixar que atravesse nem que seja atropelada pelos demais músicos que já tocam juntos há mais tempo.