O Globo, n. 32650, 28/12/2022. Política, p. 4

Nó destravado

Sérgio Roxo
Bruno Góes
Alice Cravo
Luísa Marzullo


Um dos principais símbolos da frente ampla que apoiou Luiz Inácio Lula da Silva na campanha, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) aceitou ontem assumir o Ministério do Planejamento do futuro governo. O "sim" da emedebista, que cobiçava pastas que lhe dessem mais visibilidade política, desembaraça um dos principais entraves de Lula para definir seu time de ministros, mas, ao mesmo tempo, inclui na equipe econômica alguém com posições que batem de frente com as defendidas pelo PT em temas como privatizações, política fiscal e taxação de grande fortunas.

A participação da senadora no governo, porém, era tratada por Lula como certa. Terceira colocada na disputa presidencial, Tebet se empenhou para eleger o petista no segundo turno e teve um papel que aliados consideraram fundamental na vitória apertada contra Jair Bolsonaro (PL) ao atrair eleitores de centro. O Planejamento foi a quarta opção da emedebista, que nos últimos dias chegou a ser cotada para os ministérios do Desenvolvimento Social, do Meio Ambiente e, por último, das Cidades.

Sem pasta "turbinada"

Durante as negociações para que Tebet assumisse o Planejamento, aliados da emedebista chegaram a discutir "turbinar" a pasta, que ficaria responsável pelo Programa de Parceria de Investimentos (PPI) e pelos bancos públicos. No fim, o acordo costurado prevê apenas a participação da futura ministra no comitê gestor do PPI, que continuará sob o guarda-chuva da Casa Civil.

— IBGE e Ipea estão na estrutura (do Planejamento). O conjunto dos projetos prioritários do governo, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e outras marcas que vão existir, inclusive o PPI, são projetos coordenados e monitorados pela Casa Civil. O Planejamento participa do comitê gestor coordenado pela Casa Civil. Não tem mudança nem confirmação de estrutura. Tem a estrutura já proposta pela equipe de transição — disse ontem o deputado Alexandre Padilha, futuro ministro das Relações Institucionais.

A relação com Haddad, com quem deve compor a equipe econômica, também foi considerada um entrave a ser contornado para Tebet aceitar o cargo. Embora tenha elogiado a parlamentar, o futuro ministro da Fazenda nunca escondeu que gostaria de ver o senador eleito Renan Filho (MDB-AL) no comando do Planejamento. Haddad chegou a sondá-lo para a pasta há cerca de dez dias.

Na segunda-feira, Haddad descreveu a senadora como um quadro "muito qualificado", que "sabe trabalhar em equipe" e "somou" durante a campanha. Na mesma ocasião, no entanto, afirmou ter sugerido a Lula o nome de ex-governadores aliados para o Ministério do Planejamento.

Tebet esteve ontem com Lula e Haddad por cerca de 20 minutos em um hotel no centro de Brasília. Além deles, Padilha e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, participaram da conversa, classificada por aliados da emedebista como "boa". O presidente do MDB, Baleia Rossi (SP), disse que a senadora estava feliz por assumir "função muito relevante".

Ao entregar o Planejamento para Tebet, Lula abre espaço para negociar a pasta das Cidades com a bancada do MDB na Câmara. Com 10 dos 21 ministros anunciados até agora filiados ao PT, o presidente eleito tem sido questionado por aliados sobre qual espaço sobrará aos outros partidos que devem compor sua base.

Lideranças petistas, contudo, passaram a apresentar resistência à senadora. O argumento era que, à frente da pasta, Tebet poderia conseguir conexão com a parcela mais pobre da população e, assim, se cacifar eleitoralmente para a disputa presidencial de 2026. Diante da pressão do PT, Lula escolheu o senador eleito Wellington Dias (PTPI) para assumir o posto.

A senadora emedebista então foi sondada para a assumir o Meio Ambiente, num arranjo que colocaria a deputada federal eleita Marina Silva ( Rede-SP) à frente da Autoridade Climática, que terá status de ministério e se reportará direto ao presidente da República. Mas Marina recusou com a alegação de que o cargo deve ser ocupado por um técnico. Tebet, então, também preferiu não aceitar a pasta para não ficar com a marca de que "roubou" o posto da aliada.

Série de divergências

Diante do pouco interesse inicial de Tebet de ficar com o Planejamento, Lula ainda chegou a cogitar acomodar a senadora no Ministérios das Cidades. Desta vez, foram os deputados emedebistas que avisaram não estar dispostos a abrir mão da pasta para a colega de partido, tratada como da "cota pessoal" de Lula.

A ida de Tebet para o governo pode reviver divergências em questões econômicas vistas no primeiro governo de Lula, entre 2003 e 2006. Na época, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de visão mais liberal, sofriam oposição interna dos ministros do Planejamento, Guido Mantega, da Integração Nacional, Ciro Gomes, e do vice-presidente José Alencar. Lula incentivava as divergências e costumava se colocar como árbitro quando os embates esquentavam.

Ao longo do seu mandato no Senado, Tebet demonstrou não estar alinhada com os pensamentos econômicos e votou diferente do PT em vários projetos, como na PEC que criou o teto de gastos, o projeto do novo Marco Legal do Saneamento, que abriu o setor para empresários e na Reforma da Previdência. Na campanha, classificou o teto de gastos, criticado por Lula, como a "única âncora fiscal que sobrou ".

Arestas a aparar
Tebet e o PT, que ocuparão pastas ligadas à economia no futuro governo, têm divergências em temas variados na área

Teto de gastos

No Senado, Tebet votou a favor da PEC que estabeleceu o teto de gastos, em 2016, e defendeu a medida na campanha presidencial deste ano, classificando-a como "a única âncora fiscal que sobrou". Lula e economistas ligados ao PT já defenderam a revogação do teto de gastos, que deverá ser substituído por uma nova âncora em 2023.

Privatizações e concessões

Tebet também defendeu na campanha a realização de privatizações e concessões especialmente na área de infraestrutura, como em portos, aeroportos e estradas, posição nem sempre compartilhada pelo PT. O novo governo Lula já se posicionou contra a privatização de autoridades portuárias. Tebet e Lula disseram ser contra a privatização da Petrobras.

Marco legal do saneamento

Ao votar a favor do novo marco legal do saneamento básico, em 2020, Tebet argumentou que a medida, que abria o setor para a iniciativa privada, levaria à expansão dos serviços de tratamento de água e coleta de esgoto. A bancada do PT no Senado votou contra o texto.

Reforma da Previdência

A senadora, que votou a favor da reforma em 2019, criticada pelo PT, apresentou posicionamentos distintos aos de Lula sobre o tema durante a campanha. O presidente eleito mostrou intenção, por exemplo, de rever regras envolvendo aposentadoria especial e por invalidez.

Autonomia do Banco Central

Na campanha, Tebet classificou a autonomia como "avanço institucional" para evitar tentativas de "manipular o câmbio e os juros em véspera de eleições, como faz Bolsonaro e fez o PT". No Congresso, o PT votou contra a medida, que conferiu mandatos aos diretores do BC. Lula disse ser favorável à autonomia, mas defendeu mudanças na atuação do órgão.

Taxação de grandes fortunas

Apesar de semelhanças, Tebet e o PT têm abordagens distintas sobre formas de fazer os mais ricos pagarem mais impostos. A emedebista afirmou ser favorável à taxação de lucros e dividendos, junto a uma reforma tributária focada no consumo. Já o PT defende historicamente a taxação de grandes fortunas, com escopo mais amplo.