Valor Econômico, n. 4951,
03/03/2020. Política, p. A8
Dino defende regulação
do Orçamento Impositivo
Malu Delgado
A “parlamentarização” das despesas públicas pode ser o “pior dos mundos”,
advogou ontem o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), ao defender a
regulação clara do Orçamento Impositivo. Provável pré-candidato à
Presidência da República em 2022, Dino defendeu as emendas parlamentares
impositivas ao Orçamento Geral da União, mas ressaltou que uma norma
regulatória pactuada entre Executivo e Legislativo é crucial para que a
prática não se transforme num “vale-tudo que torna impossível governar o
Brasil”. O governador foi um dos convidados para a aula inaugural do mestrado e
doutorado em direito e desenvolvimento da Escola de Direito da Fundação Getulio
Vargas, em São Paulo.
O debate sobre orçamento
impositivo é um dos capítulos mais recentes do confronto entre o
presidente Jair Bolsonaro e o Congresso. “O necessário é fazermos mediação entre
dois extremos. Emendas impositivas podem ser feitas, mas precisam de regulação
para que não resultem em abusos. ” O governador esclareceu que o fato de
defender regulação não significa que apoie o confronto de Bolsonaro
com parlamentares. “A atitude do Bolsonaro atrapalha uma solução. Agora,
que é necessário algum tipo de regulamentação, é.”
Para Dino, um acordo
mais detalhado sobre as normas do Orçamento Impositivo só deverá sair após a
polêmica dos vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que será analisado
pelo Senado. Bolsonaro tenta restringir o poder dos parlamentares de definir a
destinação de verbas públicas. Os parlamentares ensaiam uma rebelião e a
derrubada do veto. “Temos a temática do veto. Passado isso, creio que
abre-se espaço para que sejam editadas normas, por resolução do Congresso,
sobre como emendas serão utilizadas”, defendeu Dino.
A fragmentação de
recursos por meio de emendas, alertou, pode se transformar “num fator de perda
de potência de investimentos de projetos estruturantes”, sabotando a
governabilidade e sacrificando a sociedade.
Ex-juiz, ex-parlamentar
e especialista em direito constitucional, Flávio Dino disse ser possível
desenhar “uma resolução normativa, da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que
fixe fronteiras sobre o modo em que o Orçamento Impositivo pode ser
aplicado”. Para ele, também cabe ao Ministério da Economia fixar regras de
empenho e liberação dos recursos. “Do jeito que está realmente não é correto:
você tem 97% do orçamento fora da competência do Executivo e não haver lei
alguma, norma alguma, pode virar um vale-tudo que torna impossível governar
o Brasil. ”
Em sua exposição na FGV,
o governador relacionou as cláusulas pétreas da Constituição com a
instabilidade aguda provocada pelo governo Bolsonaro, em confronto permanente
com as instituições. “Temos um Executivo anti-institucional, belicista,
extremista, agressivo às instituições e à sociedade e, portanto, avesso
aos mecanismos de controle. ” Até mesmo na ditadura, disse, havia “pudor em
relação a certas atitudes arbitrárias”, enquanto o atual governo parece se
orgulhar de frequentes abusos de autoridade.
Ao analisar a separação
entre os Poderes e o sistema federativo, ressaltou que Bolsonaro se
empenha “no belicismo contra os governadores exatamente porque os identifica
como um contrapeso a seu poder”. Bem-humorado, arrancou risadas da plateia ao
dizer “havia antes a ala gauche dos governadores”, mas que hoje ele nem
precisa mais se insurgir. “Só espero o Doria e o Witzel gritarem e eu
só acompanho. Vamos juntos. Somos irmãos. Frente ampla”, ironizou. “Por
que? A crise de relacionamento é com todos os governadores. ”
A única forma de vencer
o avanço da extrema direita bolsonarista, pregou, é pela pactuação política e
busca de novo arranjo institucional. “O palanque da Praça da Sé, de 25 de
janeiro de 1984, das Diretas, a foto em que estavam Montoro, Ulysses, Tancredo,
Brizola, Lula, Amazonas, Prestes, FHC, Covas, não existe mais, seja por
perecimento dos personagens, seja porque simbolicamente os lugares que
ocuparam não existem mais. ”