Valor Econômico, n. 4951, 03/03/2020. Opinião, p. A12

Crédito ainda dá resposta fraca aos estímulos do BC


Banco Central e os bancos continuam sem falar a mesma língua a respeito do crédito. Apesar de o Banco Central ter anunciado diversas medidas nos últimos meses para aumentar a oferta e baratear o custo do dinheiro para as pessoas físicas, pouco avanço tem sido registrado, comprometendo a esperança de que o consumo das famílias seja um dos motores da economia. A epidemia de coronavírus surge agora como mais um ingrediente que pode frustrar as expectativas, uma vez que pode aumentar a inadimplência caso o desemprego volte a crescer.

Dados do crédito em janeiro mostram alguns poucos avanços, mas também vários recuos. A taxa média do cheque especial despencou para 165,6% ao ano em comparação com os 247,6% de dezembro como resultado da mão forte do BC, que limitou em 8% ao mês o juro cobrado nessa modalidade a pessoas físicas e microempreendedores individuais. A medida entrou em vigor em 6 de janeiro para os novos clientes e valerá a partir de 1º de junho para quem já usa o cheque especial. Informações do BC mostraram que 11 das 34 instituições financeiras que oferecem esse tipo de crédito ainda cobravam juros superiores ao teto de 8% mensais. Por isso, a taxa média mensal do cheque especial ficou em 8,5%, acima do teto fixado pelo BC.

Outro alvo do BC, o rotativo do cartão de crédito, também ficou mais barato, ao recuar de 318,8% ao ano para 316,8% ao ano. Há algum tempo a autoridade monetária teve que obrigar os bancos a oferecerem aos clientes cronicamente dependentes do cartão modalidades de crédito mais baratas. O recuo do cheque especial e do rotativo do cartão contribuíram para que a taxa média de juros cobrada de pessoas físicas nas operações lastreadas em recursos livres, que os bancos podem direcionar a seus critérios, caísse de 28,3% ao ano em dezembro de 2019 para 28,1% ao ano em janeiro. Ambas, porém, ainda estão em níveis estratosféricos, difíceis de explicar quando comparadas com a Selic de 4,25% ano.

Nota-se ainda que outras linhas igualmente populares e cercadas de garantias foram elevadas, apesar da queda do juro básico. A taxa média do empréstimo consignado, por exemplo, passou de 20,5% para 21,3% ao ano, onerando igualmente trabalhadores do setor privado e do setor público. O custo do crédito pessoal, não garantido por folha de pagamento, subiu mais ainda, de 94,6% para 103,5% entre dezembro e janeiro. Até o financiamento de veículos, garantido por bens de liquidez geralmente elevada, ficou mais caro, subindo de 19,2% para 19,7% ao ano.

Em consequência, o spread capturado pelo sistema financeiro subiu 0,5 ponto percentual em comparação a dezembro e ficou praticamente estável em 12 meses, no patamar de 18,3% na média, chegando a 23,7% para as pessoas físicas. Em estudo recente sobre o crédito, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) notou que a taxa de captação está sempre abaixo ou, no máximo, é igual à Selic, variando entre 70% e 100%. Quando a Selic estava acima de 10% ao ano, a taxa de aplicação dos bancos ficava entre duas e três vezes o seu valor. Quando a Selic foi reduzida de 14,25% para 6,5%, esse múltiplo passou para quatro e, na recente nova redução de 6,5% para 4,5%, para cinco vezes.

A oferta de crédito também deixou a desejar, embora a própria demanda por recursos seja sazonalmente mais fraca em janeiro em comparação com dezembro. O estoque total recuou 0,4% entre os dois meses, mas cresceu 7% em 12 meses, atingindo R$ 3,5 trilhões. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), houve uma queda na comparação de dezembro para janeiro de 48% para 47,5%. As famílias ficaram com a maior parte dos recursos, R$ 2 trilhões, 0,8% a mais sobre dezembro e 12,2% sobre janeiro de 2019.

Foram inúmeras as medidas do Banco Central para melhorar o crédito, inclusive como parte da agenda BC+, transformada na BC#. Não houve só imposições como o teto para o cheque especial e a renegociação de operações do rotativo do cartão. Várias medidas representaram a retirada de amarras para o sistema financeiro, como a liberação de R$ 135 bilhões em depósitos compulsórios e a criação de condições para operações com garantias como imóveis e até fundos de previdência do tipo PGBL. Mas a resposta dada até agora pelos bancos na oferta de recursos e nas taxas praticadas fica aquém da esperada.