Valor Econômico, n.
4951, 03/03/2020. Brasil, p. A2
Superávit comercial em
fevereiro não elimina incerteza
Marta Watanabe
Mariana Ribeiro
A balança comercial se recuperou em fevereiro e fechou o mês com superávit de
US$ 3,1 bilhões, após déficit de US$ 1,74 bilhão em janeiro. Apesar da melhora,
há para os próximos meses, segundo analistas, grande incerteza sobre os efeitos
que a epidemia de coronavírus e a trégua comercial entre Estados Unidos e China
podem ter sobre a balança brasileira.
O superávit comercial do
primeiro bimestre foi resultado de US$ 30,8 bilhões em exportações e US$
29,4 bilhões em importações. Os embarques caíram 4,2% em relação a igual
período do ano passado enquanto as importações avançaram 6,5%, segundo dados da
Secretaria de Comércio Exterior (Secex), ligada ao Ministério da Economia.
Rafael Cagnin,
economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi),
destaca que, apesar da melhora em fevereiro, o saldo positivo do primeiro
bimestre, de US$ 1,36 bilhão, representa queda de 69,8% em relação ao superávit
de iguais meses de 2019, considerando a média por dia útil. Ele lembra ainda
que trata-se, para o período, do pior resultado comercial desde 2015, quando
houve déficit US$ 6,03 bilhões.
Esse desempenho, diz
ele, combinado com possíveis impactos do coronavírus e da trégua
sino-americana, indica que o setor externo deve ter contribuição limitada para
a economia ao menos no primeiro semestre deste ano.
O subsecretário de
Inteligência e Estatísticas de Comércio Exterior do Ministério da Economia,
Herlon Brandão, afirmou ontem que foram observados efeitos pontuais da epidemia
de coronavírus sobre as exportações em fevereiro, mas que os impactos, até o
momento, não foram significativos e não afetaram o resultado fechado do mês.
Segundo Brandão, houve
relatos de problemas de exportadores de carnes no início de fevereiro, mas que
isso “foi pontual” e “está sendo superado”. Nos casos da soja, cujos processos
são automatizados, e do minério de ferro, não houve relatos. O secretário
ponderou que os efeitos da epidemia não são imediatos e, por isso, ainda podem
afetar os resultados dos próximos meses. “O efeito do coronavírus é
gradual e heterogêneo entre os setores”, colocou.
Para José Augusto de
Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a
epidemia pode ter efeitos também nas importações brasileiras. O crescimento de
6,5% das importações no primeiro bimestre de 2020 converge com a projeção
da AEB para 2020, conta Castro. Mas a perspectiva que se tem hoje, lembra ele,
é de que esse ritmo possa não se sustentar, já que as projeções de crescimento
do PIB brasileiro também estão sendo reduzidas em razão do coronavírus.
Apesar de enxergar um
cenário de incerteza para o setor externo no primeiro semestre, Cagnin
acredita que na segunda metade do ano é possível que haja uma mudança de
quadro. Além de os reais efeitos do coronavírus e do acordo sino-americano
ficarem mais claros, avalia, a mudança dependerá também do impacto da
desvalorização do real ante o dólar. Esse efeito demora a aparecer nos
embarques, explica o economista, e pode ficar mais evidente no segundo
semestre, sempre dependendo de como estará a demanda externa no período.
Ao divulgar ontem os
resultados da balança de fevereiro, Brandão afirmou que recebeu relatos de
exportadores que, em um cenário de desvalorização do real, estão otimistas com
o aumento de rentabilidade.
Ele afirmou ainda que,
devido ao atraso no plantio da soja, os volumes devem entrar com mais força nas
exportações nos próximos meses.
Segundo dados da Secex,
em fevereiro as exportações avançaram 15,5% puxadas principalmente pelos
básicos, que cresceram 26,2%, na comparação pela média diária contra igual mês
do ano passado. No acumulado dos dois primeiros meses do ano as
exportações caíram 4,2%. Considerando o primeiro bimestre por fator agregado, o
grupo dos básicos foi o único com crescimento nos embarques, de 6,2%. Os
embarques para a China, em fevereiro subiram 20,9%. Segundo Brandão, a alta nas
exportações para o país asiático é explicada em parte pelo fato de o Ano
Novo chinês ter acontecido em janeiro neste ano, o que deslocou parte da
demanda para fevereiro.
Para Castro, os
embarques de básicos no primeiro bimestre ainda não refletem toda a queda de
preços mais recente do petróleo, do minério de ferro e da soja, principais
itens da pauta de exportação brasileira. Por isso, diz ele, o recuo de
preços ainda pode contribuir para pressionar o valor das exportações para os
próximos períodos.