Valor Econômico, n. 4951,
03/03/2020. Agronegócios, p. B11
Aumenta a pressão sobre
a UE na OMC
Assis Moreira
Brasil, Canadá e EUA apresentaram ontem no comitê de negociações comerciais da
Organização Mundial do Comércio (OMC) uma proposta que visa, na prática, frear
certas práticas adotadas pela União Europeia em suas importações de
produtos agrícolas. A proposta é para os países se comprometerem a adotar
medidas sanitárias e fitossanitárias (SPS, na sigla em inglês) baseadas
realmente em dados científicos ou normas internacionais e evitarem banir
algumas compras.
Para os três
proponentes, é preciso levar em conta a evolução da produção agrícola global, o
ritmo de inovação em equipamentos e tecnologias, as mudanças climáticas, o
estresse na produção de alimentos, a crescente importância de práticas
agrícolas sustentáveis e o combate à propagação de pragas e doenças, entre
outros fatores. A proposta não prevê emendas no Acordo SPS e deixa claro o
direito de cada país de adotar medidas para proteger a saúde humana, animal e
das plantas. Mas prega que tudo isso seja feito com base em princípios
científicos e que eventuais medidas sejam aplicadas no grau necessário, sem que
sejam mantidas sem evidências científicas e avaliação de riscos.
A UE vem sendo acusada
há tempos por exportadores agrícolas de atropelar padrões internacionais - na
fixação de Limites Máximos de Resíduos (LMR) de um produto, por exemplo. O
Brasil já questionou a UE em comitês técnicos de ter se afastado dos LMR estabelecido
pelo Codex Alimentarius nos casos do uso do agrotóxico tiabendazol no cultivo
de mangas, de imazalil em bananas e de clorato em frutas cítricas. Para o
Brasil e outros exportadores, Bruxelas implementou uma redução de LMR sem base
científica sólida. Esses países sustentam que o resultado da avaliação de risco
europeia é inconclusivo devido a “data gaps” ou porque a metodologia usada se
distancia da usada pelo Codex.
O Codex Alimentarius é
um organismo internacional que estabelece LMR para defensivos agrícolas. A UE
faz parte do Codex e participa do órgão técnico que faz as avaliações (JMPR).
Mas isso não impede os europeus de usarem uma metodologia diferente e, com
isso, chegar a resultados distintos e se afastar dos padrões do Codex
unilateralmente.
Para certos
observadores, não é coincidência que os produtos afetados pela prática europeia
costumam ser frutas tropicais que a UE não produz ou que importa em grandes
quantidades. Em primeiro lugar, porque há menos estudos europeus disponíveis
quando se trata de produtos que não são cultivados na UE; mas também porque há
menos lobby em relação ao pedido de autorização do fabricante da
substância sob análise. Com menos lobby, as fabricantes das moléculas se sentem
menos pressionadas a produzir estudos científicos que embasem as decisões de
LMR. E se a UE não cultiva os produtos que usam essas substâncias, não há
pressão de fabricantes. Tudo isso contribui para o "data gap”, o vício
apontado pelo Brasil nas análises de risco feitas na UE.
Mas, em vez de adotar o
padrão de LMR estabelecido internacionalmente pelo Codex, os europeus querem
fazer um padrão só da Europa, criando o que os exportadores denunciam como
barreira ao comércio. Segundo negociadores, República Dominicana,
Equador, Costa Rica, são exemplos de países que estão prestes a ver suas
bananas totalmente proibidas na UE porque Bruxelas fixou um LMR de buprofezina
diferente do previsto no Codex.
Em recente avaliação da
política comercial da UE, uma das questões mais levantadas pelos parceiros do
bloco envolveu as práticas de medidas sanitárias e fitossanitárias europeias. O
embaixador da UE junto à OMC, João Aguiar Machado, observou que o bloco
comunitário é o segundo maior importador de produtos agrícolas do mundo, que
essas importações continuam a crescer e que todas as medidas SPS da UE são
notificadas de acordo com suas obrigações internacionais.
Conforme o embaixador,
os Limites Mínimos de Resíduos na Europa são revisados sistematicamente pela
Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA). Ele lembrou que,
pelo artigo 3.3 do Acordo SPS, a UE pode se desviar dos padrões
internacionais se uma preocupação de saúde for levantada pelo organismo de
avaliação de riscos. Machado argumentou, também, que a legislação é aplicável
igualmente a produtos nacionais e importados, mas que, onde não há risco para a
saúde, a UE prevê concessão de tolerâncias de importação para substâncias que
não estão autorizadas para uso nos países do bloco.
Brasil, Canadá e EUA
esperam atrair apoio para uma declaração multilateral de ministros de comércio
na conferência da OMC que ocorrerá no começo de junho no Cazaquistão. Um
consenso, porém, parece difícil, até porque para isso a UE precisa ser
convencida a seguir padrões internacionais, e não os seus.