Valor Econômico, n. 4951,
03/03/2020. Legislação & Tributos, p. E1
Representante da Fazenda
poderá impedir análise de recurso no Carf
Beatriz Olivon
As normas dos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)
passarão por mudanças. Apesar dos elogios de especialistas pelo fato de as
alterações estarem em consulta pública, há pontos da proposta que têm sido
alvo de críticas. Um deles é o que trata da possibilidade do presidente de
turma, representante da Fazenda, decidir individualmente se um processo poderá
ser julgado pelo Carf, caso exista ação similar na Justiça.
Trata-se da chamada
concomitância. Hoje essas situações são avaliadas pelas turmas e normalmente
geram grandes discussões. “São situações muito peculiares para serem decididas
só pelo presidente, que é representante do Fisco”, afirma Rafael Gregorin,
sócio do escritório Trench Rossi Watanabe.
De acordo com o
advogado, muitas vezes a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) alega
concomitância quando a empresa perde na delegacia regional de julgamento (DRJ)
para evitar o julgamento do caso pelo Carf. Pela redação sugerida no novo
regimento, após a decisão monocrática, o valor já poderia ser cobrado.
Na turma, porém,
acrescenta Gregorin, o contribuinte consegue explicar as diferenças entre os
processos. Em alguns casos, o mérito pode ser discutido no processo judicial e
outros aspectos ficam para o administrativo, como a nulidade da autuação ou
erros formais, segundo o advogado.
Alberto Medeiros, do
escritório Stocche Forbes Advogados, conta que teve um processo em que os
conselheiros discutiram durante dois anos se existia concomitância por causa de
um mandado de segurança preventivo que discutia parte da tese. No fim, os
julgadores decidiram que não existia.
Medeiros também destaca
a possibilidade de os julgamentos com pedido de vista serem retomados sem a
presença do relator, que deixaria o voto registrado. “Imagina uma discussão
ultra complexa sem o relator. ”
Na prática, a falta do
relator na retomada do voto-vista pode atrapalhar a discussão sobre o
caso, afirma Ariel Moller, associado do escritório Fux Advogados. “Sem a
presença do relator para defender seu voto pode ser que a discussão fique
prejudicada”, diz.
O texto debatido para o
novo regimento prevê ainda a paralisação de processos sobre temas julgados nos
tribunais superiores com repercussão geral ou repetitivos. Hoje, não há
essa determinação.
O escritório Velloza
Advogados enviou algumas sugestões ao conselho, segundo o sócio Leandro Cabral.
Entre elas, a manutenção dos julgamentos de concomitância em turma e a retirada
de casos de pauta a pedido das partes. Hoje, é necessário apresentar justificativa,
que será avaliada pelo presidente da turma.
A sugestão é que o
primeiro pedido justificado para retirada de pauta seja aceito, sem análise.
Segundo o advogado, os presidentes de Câmara os têm negado, sob entendimento de
que há outros advogados nos escritórios que poderiam participar do julgamento.
“Tive negado pedido de retirada na véspera da minha filha nascer
porque, segundo o presidente da turma, problemas pessoais do patrono não podem
influenciar a pauta. ”
Para melhorar a
produtividade, o advogado sugeriu a publicação individualizada da produtividade
de cada conselheiro no site do Carf. “Vai incentivar quem produz bem e
desincentivar a baixa produção”, diz.
A proposta de novo
regimento não traz mudanças em um ponto que o advogado João Marcos Colussi,
sócio do Mattos Filho, considera importante, que é o voto de qualidade - o
desempate do presidente, representante da Receita. “Até 2015 havia
independência maior para julgamento”, afirma, citando o período anterior à
reformulação do órgão após a Zelotes.
Apesar das preocupações,
os advogados elogiam a iniciativa do Carf de aceitar propostas sobre mudanças
no regimento interno e também algumas sugestões do próprio Conselho. A advogada
Luciana Rosanova, do escritório Pinheiro Neto Advogados, destaca a intimação
nos embargos. “É uma questão processual, mas mostra que o Fisco
está preocupado em dar ciência ao contribuinte. ”
A consulta pública que
trata do regimento interno foi aberta em janeiro pela Portaria nº 1.744 e
termina nesta sexta-feira. Ao Carf foram encaminhadas até agora 63 propostas. O
órgão publicará em seu site um relatório de análise do que foi recebido. O
motivo para a revisão do regimento interno seria a necessidade de aumento
da eficiência e redução de custos. O estoque de processos no órgão chega a
116,7 mil e representa R$ 624 bilhões, conforme dados de janeiro.
A Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento
da edição.