Valor Econômico, n. 4952, 04/03/2020. Brasil, p. A5

Brasil e EUA fecham acordos estratégicos
Daniel Rittner


A visita do presidente Jair Bolsonaro à Flórida, que começa no fim de semana, deverá selar parcerias entre Brasil e Estados Unidos em áreas estratégicas, como defesa e infraestrutura. Há expectativa de anúncio da venda de duas aeronaves A-29 Super Tucano, da Embraer, para o Comando de Operações Especiais (SOCOM na sigla em inglês). O negócio pode abrir caminho para uma encomenda muito maior, de 75 unidades e na casa dos bilhões de dólares, no próximo ano fiscal americano - que começa em outubro.

Também está encaminhada a assinatura de um novo acordo de cooperação militar que poderá dar às empresas brasileiras de defesa acesso a um fundo de quase US$ 100 bilhões anuais para o desenvolvimento de produtos na vanguarda tecnológica do setor.

Na área de infraestrutura, um memorando de entendimentos garantirá a inclusão do Brasil na iniciativa “Growth in the Americas” (América Cresce), lançada pelos Estados Unidos como uma espécie de contraponto ao avanço da China na região, por meio de investimentos diretos ou financiamentos camaradas no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI).

Bolsonaro e a comitiva de ministros brasileiros aproveitam a passagem de quatro dias pela Flórida, de sábado a terça-feira, para faturar publicamente em torno de um anúncio já feito (reabertura do mercado americano à carne bovina in natura) e para avançar em novos compromissos (um convênio entre o Instituto Smithsonian de Washington e o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que prevê capacitação técnica de professores da rede pública de ensino no Brasil e cessão de material científico para uso no programa Ciência na Escola). O texto do convênio está fechado, mas dificuldades na agenda do representante do Smithsonian podem atrapalhar a assinatura.

Um rápido encontro entre Bolsonaro e Donald Trump está sendo discutido nos bastidores, mas sem confirmação de nenhum dos lados. O conselheiro econômico da Casa Branca, Larry Kudlow, já disse que espera “quase certamente” uma conversa pessoal entre os dois presidentes. A assessoria do brasileiro busca ainda acertar uma reunião com altos executivos da Tesla, que fabrica carros elétricos e estaria interessada no país, mas esse encontro dificilmente seria com o fundador e CEO da companhia, Elon Musk.

Bolsonaro verá ainda dois influentes senadores republicanos pela Flórida - Rick Scott e Marco Rubio - e participará, em Miami, de um seminário empresarial sobre oportunidades econômicas entre o Brasil e o Estado, que já têm um intercâmbio comercial de US$ 20 bilhões anuais. Na terça-feira, ele deve fazer uma visita à fábrica da Embraer em Jacksonvi

O governo brasileiro considera que a Embraer está muito bem posicionada em uma concorrência aberta pelo Comando de Operações Especiais para o fornecimento de 75 aeronaves leves de ataque. Outros aviões estão no páreo, mas há confiança entre autoridades em Brasília de que a empresa, com sua parceira local Sierra Nevada, levará a melhor.

As novas parcerias são vistas, por assessores diplomáticos de Bolsonaro, como evidência de que a aposta no relacionamento mais estreito com Washington se traduz em vantagens reais para o Brasil, e não em uma relação desequilibrada, favorável apenas aos interesses dos Estados Unidos - crítica comum à política externa da atual administração.

Na área de defesa, após a designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan pelos Estados Unidos, os dois países vão fechar um acordo RDT&E - sigla proveniente das iniciais para pesquisa, desenvolvimento, testes e avaliação em inglês. Poucos países têm esse tipo de acordo firmado. É o caso de aliados importantes dos americanos em regiões com potencial conflito, como Israel e Coreia do Sul. Nem todos os europeus chegaram a esse tipo de parceria.

O fundo RDT&E teve US$ 96 bilhões no ano fiscal de 2019 e é o principal instrumento do Departamento de Defesa (DoD) para manter a supremacia tecnológica na área militar. O governo Trump tem buscado fortalecer esse fundo nos últimos anos como forma de fazer frente aos crescentes investimentos da Rússia e da China em equipamentos bélicos de ponta.

Centenas de projetos estão sendo desenvolvidos - cada um possui uma rubrica específica no orçamento do DoD - com esses recursos. Caças de quinta geração, novos armamentos hipersônicos, sistemas de defesa aérea, tecnologias de defesa submarina e mísseis balísticos fazem parte da lista.

Se o acordo bilateral for realmente fechado, empresas brasileiras poderão estabelecer parcerias com americanas para trabalhar no desenvolvimento compartilhado de um novo produto e tecnologia, bem como ter acesso ao fundo. Algumas áreas, como defesa cibernética, já são apontadas como candidatas a uma parceria mais aprofundada. Nos Estados Unidos, há interesse do Escritório de Pesquisas Navais (ONR) e do Comando de Desenvolvimento de Capacidade de Combate (Rdecom) em projetos conjuntos.

Já o memorando para a adesão ao “América Cresce” soma o Brasil a países como Argentina, Chile e Panamá, que já aderiram. A nova iniciativa americana, sem um orçamento pré-definido, busca impulsionar investimentos privados para setores prioritários na América Latina e no Caribe: logística de transportes, energia e telecomunicações. O apoio pode se dar tanto de forma mais genérica (assistência técnica de agências do governo americano, compartilhamento de boas práticas para melhorar o ambiente de negócios, organização de mesas redondas) como de modo específico (elaboração de estudos de viabilidade e projetos de engenharia, avaliação e mitigação de riscos, ajuda no financiamento).

 

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