O Globo, n. 32651, 29/12/2022. Política, p. 9

Rea­lo­ca­ção do orça­mento secreto é vetada pelo Pla­nalto

Daniel Gullino
Fernanda Trisotto


O presidente Jair Bolsonaro vetou trecho de um projeto de lei que transformava os recursos previstos para este ano das emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto, em despesas discricionárias, que o governo decide como gastar. O veto foi sugerido pelo Ministério da Economia, que considerou a proposta inconstitucional.

A medida de Bolsonaro ocorreu em um projeto aprovado na semana passada pelo Congresso Nacional que alterava o Orçamento de 2022. O texto determinava que, devido à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou o orçamento secreto inconstitucional, os recursos programados como emendas de relator (chamadas de RP9) deveriam ser reclassificados para despesas discricionárias (RP 2).

O Ministério da Economia considerou que "a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, pois desrespeita a pertinência temática exigida, ao veicular matéria estranha ao projeto de lei".

Inicialmente, o projeto tratava da abertura de créditos suplementares, mas foi modificado durante a tramitação no Congresso. O projeto havia sido aprovado em sessão conjunta da Câmara e do Senado e realocava o saldo remanescente das emendas de relator para a rubrica RP2, que fica sob controle do Executivo.

Há R$ 7,7 bilhões de emendas de relator bloqueadas por causa do teto de gastos, que limita a expansão das despesas à inflação. A estratégia do Congresso era usar as receitas extraordinárias que saíram do teto com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição para desbloquear essa verba.

O subsecretário estratégico de Política Fiscal do Tesouro Nacional, David Athaíde, explicou que os recursos de emenda de relator que não poderão ser usados para despesas livres do governo devem ajudar a compor o resultado primário, que deve ser positivo em 2022.

— Em tese, se você deixa de executar uma despesa, abre espaço para desbloquear outra, mas não tem tempo para isso — disse, em entrevista coletiva.

Em relação aos recursos de emenda de relator que já foram indicados em 2022, mas ainda não pagos, o secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, disse que ainda aguarda um parecer jurídico sobre como proceder:

— A decisão do STF ainda está sendo analisada juridicamente para saber exatamente o que pode ser gasto respeitando a decisão. Por exemplo, o que já foi empenhado, tem que ser cancelado? Ou se foi empenhado, mas ainda não liquidado?

Ainda tem uma discussão jurídica para fechar até sexta-feira — afirmou Valle.

Também na semana passada, o Congresso aprovou o Orçamento de 2023, com um remanejamento das verbas das emendas de relator. O veto de Bolsonaro vale apenas para o orçamento deste ano e não influencia as regras definidas para o primeiro ano do próximo governo.

A divisão

De acordo com a distribuição dos recursos prevista no relatório do senador Marcelo Castro (MDB-PI), dos R$ 19,4 bilhões que estavam destinados às emendas de relator, R$ 9,5 bilhões foram repassados para emendas individuais e outros R$ 9,8 bilhões seriam repartidos entre os ministérios.

O orçamento secreto foi declarado inconstitucional pelo STF no dia 19 de dezembro, em um placar que terminou em 6 a 5 para derrubar o instrumento. Mesmo a ala derrotada no julgamento defendeu a manutenção das emendas de relator desde que o modelo adotado fosse mais transparente em relação aos repasses.

Ao proclamar o resultado do julgamento, a presidente da Corte, Rosa Weber, determinou ao governo federal a divulgação, em um prazo de 90 dias, dos detalhes das obras realizadas por meio de pedidos do orçamento secreto e declarou que o mecanismo não é compatível com a Constituição.

Após a decisão do STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, anunciou uma mudança de posição e aderiu ao voto de Rosa Weber pela inconstitucionalidade e derrubada do mecanismo. Antes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) havia se manifestado em defesa do orçamento secreto.

As emendas de relator passaram a ser chamadas de orçamento secreto por conta da falta de transparência e critérios na distribuição dos recursos, que eram utilizados pelo Palácio do Planalto para angariar apoios no Congresso. Pelo mecanismo, deputados e senadores apadrinhavam indicação de verbas que formalmente estavam a cargo do relator-geral do Orçamento de cada ano. O instrumento ampliou a força política do Congresso nos últimos anos.

Ministério da Economia considerou proposta inconstitucional e sugeriu veto.