Valor Econômico, n. 4952,
04/03/2020. Política, p. A10
Governo cede e assegura
manutenção de vetos
Fabio Murakawa
Matheus Schuch
Vandson Lima
Renan Truffi
Marcelo Ribeiro
Raphael Di Cunto
Andrea Jubé
Após duas semanas de crise entre os dois Poderes, o Planalto cedeu e refez o
acordo com os parlamentares para assegurar a manutenção dos vetos presidenciais
que diminuem o caráter impositivo do Orçamento. Um dos vetos, o 52, retira
desta condição R$ 30,8 bilhões das emendas do relator. Mas, por meio de
projetos de lei encaminhados ainda ontem, o governo aceitou a partilha desse
valor entre Executivo e Legislativo.
O acerto, entretanto,
não encerra a crise porque após horas de negociação, o presidente Jair
Bolsonaro, preocupado com a reação de seus apoiadores, foi às redes sociais
negar qualquer tratativa com os parlamentares. O filho dele, deputado Eduardo
Bolsonaro (PSL-SP), também negou o acerto. “O Congresso queria tomar bilhões do
pouco que o presidente pode gastar. Agora o Congresso não tomará nada do
valor previsto, só o possível excedente”, disse.
Cerca de uma hora
depois, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), suspendeu a sessão,
anunciou que os vetos serão votados hoje e os projetos regulamentando a
execução do Orçamento, na próxima semana.
O adiamento dessa
votação coloca em dúvida a concretização do acordo.
O grupo Muda Senado,
parte dos senadores do MDB e dos deputados do PSL também contestaram as
negociações, contribuindo para o adiamento do desfecho.
O acordo retomado
manteve os termos das negociações iniciadas antes do Carnaval e conduzidas pelo
ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, em que os parlamentares
votariam pela manutenção da maioria dos vetos, em troca da partilha dos R$ 30,8
bilhões.
Um acordo tácito prevê
que o destino de R$ 10 bilhões será definido pelos deputados, enquanto R$
5 bilhões ficarão na cota dos senadores.
“Vamos manter o veto
presidencial, que foi acordado, e vamos votar a regulamentação do Orçamento
Impositivo”, disse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). “A
regulamentação do Orçamento é o fortalecimento das instituições, o Congresso em
nenhum momento quis fazer parlamentarismo branco”, disse.
Alcolumbre recebeu um
gesto do governo em um dos projetos do pacote acordado, que encaminhou a
mudança de uma emenda dele para destinar R$ 6,5 milhões para cirurgias no
Amapá, sua base eleitoral.
Mas a negativa de
Bolsonaro e do deputado Eduardo Bolsonaro sobre o diálogo com o Congresso
mantém o ambiente de tensão entre os Poderes, que remonta ao endosso do
presidente às manifestações contra os parlamentares e às declarações do
ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que
chamou os parlamentares de “chantagistas”. Também partiu de Heleno, em
um áudio vazado das redes oficiais do governo, a acusação de que o
Congresso quer submeter Bolsonaro a um “parlamentarismo branco”.
Com a turbulência ainda
acentuada, o acordo celebrado ontem esfria, mas não encerra a crise entre os
Poderes. Nos bastidores, as duas Casas articulam respostas aos ataques impostos
ao Congresso pelos seguidores de Bolsonaro, estimulados por aliados do
presidente e endossados por alas do governo.
Ontem a comissão do
Congresso que analisa a medida provisória (MP) do 13º do Bolsa Família aprovou
o parecer do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que torna o benefício
permanente (o governo previu apenas um pagamento, no ano passado) e
estende o adicional aos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada
(BPC), voltado para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
A ampliação dos
benefícios custará, segundo o relator, R$ 7,5 bilhões por ano. Para banca-los,
ele prevê a tributação retroativa dos fundos de investimentos exclusivos, com
arrecadação que chegará a R$ 10 bilhões.
A medida já chegou a ser
proposta pelo Executivo, mas nunca avançou porque afetaria as contas já
existentes. O Centrão se aliou à oposição para aprovar o parecer sobre a
MP após semanas de falta de quórum.
Em outra frente, o
Senado prepara a votação do requerimento do líder do PT, Rogério Carvalho (SE),
convocando Heleno para que ele esclareça, em audiência pública no plenário da
Casa, por que acusou os parlamentares de “chantagearem” o Executivo “o
tempo todo”. Há uma articulação para que o pedido seja votado ainda hoje em
sessão do Senado.
Nas conversas com
Alcolumbre na última segunda-feira, lideranças do governo fizeram um apelo para
que ele não misturasse a votação da convocação de Heleno com a análise dos
vetos presidenciais. O Planalto tenta passar a percepção de que as críticas de
Heleno são individuais, e não representam a opinião do governo.