Valor Econômico, v. 20,
n. 4952, 04/03/2020. Opinião, p. A14
Congresso deve valorizar
a pauta ambiental
Marcia Hirota
Mario Mantovani
Dizem que no Brasil o ano só começa depois do Carnaval, mas 2020 chegou
acelerado e demandando que o país siga o trilho do desenvolvimento sustentável.
Incêndios na Amazônia e Austrália, fortes chuvas em estados do Sudeste e o
Fórum Econômico Mundial convergem na mensagem de que a agenda socioambiental
não é capricho de acadêmicos ou militantes. Precisa integrar de vez o
planejamento de governos, setor privado e economistas, e ganhar peso em
propostas do Legislativo e em decisões do Judiciário. Um futuro mais seguro
depende disso.
Investidores
internacionais puxam a orelha do governo brasileiro pela má condução do combate
à crise do clima e à falta de proteção da biodiversidade e outros temas
socioambientais. Diante da conjuntura política, parte do Congresso Nacional se
desdobra para tentar manter conquistas legislativas que fizeram do país um
exemplo para nações e organismos internacionais, enquanto outras bancadas estão
presas a velhas pautas. Ainda tramitam na casa cerca de 40 proposições para
dar cabo ou reduzir o nível de proteção de áreas protegidas e ameaças ao
próprio Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Agenda estratégica para
o país, o marco regulatório do Licenciamento Ambiental vem tramitando no
Congresso há mais de uma década. Esse instrumento previsto na Constituição
Federal tem o objetivo de garantir transparência, participação e promover o
desenvolvimento econômico, mantendo a qualidade do ambiente e a viabilidade
social de empreendimentos e atividades econômicas. Um país
federativo, de dimensões continentais como o Brasil, que reúne enormes riquezas
em seus diferentes biomas precisa de uma legislação moderna e eficiente. Para
isso, é urgente regulamentar o licenciamento por meio de uma lei de diretrizes
gerais que garanta equilíbrio entre as regiões e compatibilize normas de
caráter subnacional e local, sem flexibilizar e enfraquecer parâmetros
ambientais e sociais. Uma lei ambiental moderna deve ser capaz de minimizar
riscos e observar características locacionais de empreendimentos para evitar
que crimes ambientais como os da Vale, em Minas Gerais, continuem a exportar
impactos para além das áreas onde as atividades ocorrem.
É importante diminuir a
burocracia, dar agilidade e meios para aplicação dos instrumentos previstos
nessa proposta, como a Avaliação Ambiental Estratégica, o Zoneamento Econômico
Ecológico e Estudos de Impacto Ambiental. Mas, a efetividade dessa lei depende
da destinação de orçamento e de recursos que garantam o bom funcionamento
dos órgãos técnicos e do sistema de meio ambiente. Dar condições para
essas garantias também é papel preponderante do Congresso.
A tragédia do petróleo
que afetou praias brasileiras segue sem culpados. Esse dano ambiental e outros
de atividades minerárias, suscitaram Comissões Parlamentares de Inquérito. A
Câmara e o Senado precisam dar retorno à sociedade sobre os desdobramentos
desses processos, para resgatar a credibilidade e acabar com a sensação
expressa no dito popular de que CPIs "acabam em pizza". Além disso,
para avançar em agendas positivas, é fundamental a aprovação da Lei do Mar.
Esse projeto de lei, amplamente debatido com especialistas, comunidades
e órgãos gestores, permitirá ao país ampliar a atenção a esse importante
bioma, aprimorar planos de contingência e elaborar o planejamento espacial
marinho.
Outra proposta que tem
potencial de mudar a realidade brasileira é a Lei do Saneamento. O
reconhecimento de que o acesso à água limpa e ao saneamento são direitos
humanos é premissa para dotar o país de uma norma eficaz, que traga meios
concretos para que metas e prazos da universalização deixem de ser protelados.
O novo marco regulatório pode trazer avanços com o ingresso de recursos
privados para essa agenda estratégica que depende de bons instrumentos de
regulação e da participação da sociedade. O saneamento básico, ainda
negligenciado no Brasil, é fundamental para recuperar a qualidade da água de
mananciais e acabar com rios de classe 4, aqueles altamente poluídos, com água
imprópria para qualquer uso.
O Pagamento por Serviços
Ambientais, proposta aprovada na Câmara em 2019, aguarda sinal verde do Senado
e demanda o comprometimento dos congressistas em viabilizar recursos para sua
implementação. Articulada entre as Frentes Parlamentares Ambientalista e da
Agropecuária, como reação diante das queimadas na Amazônia, valoriza e
compensa produtores e proprietários de terras que preservam e que promovem a
adequação ambiental em seus imóveis. É um exemplo prático e efetivo de como a
união entre os setores de meio ambiente e do agronegócio é positiva para um novo
modelo de desenvolvimento.
É fato que o cenário
nacional amplia desafios para uma atuação organizada entre parlamentares,
sociedade civil e pesquisadores, que podem convergir propostas em espaços como
a Frente Parlamentar Ambientalista e a Comissão de Meio Ambiente da Câmara, com
pautas que interessam a sociedade e setores econômicos.
Movimentos como esses
demonstram que espaços democráticos de participação seguem ativos, mas que
precisam de presença permanente e qualificada da sociedade para sua
continuidade.
Com a nova realidade
orçamentária, o Congresso Nacional passa a ser determinante na definição da
aplicação dos recursos e nas ações do Governo. Portanto, é
preciso convocar os brasileiros para que a agenda socioambiental ganhe
relevância na elaboração do orçamento. Todas essas políticas públicas dependem
da atuação do Congresso em garantir recursos nas próximas leis orçamentárias.
Especialmente neste ano de eleições municipais, esperamos que a agenda política
e eleitoral brasileira seja pautada em propostas e compromissos que
respondam à urgência climática e aos desafios do novo século.
Marcia Hirota e Mario
Mantovani são, respectivamente, diretora executiva e diretor de Políticas
Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.