Valor Econômico, n. 4952, 04/03/2020. Política, p. A10

Projetos põem um fim na ‘emenda cachorro’
Ribamar Oliveira 


Por meio de dois projetos de lei, que alteram a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) válida para este ano (Lei 13.898/2019), o governo propôs ao Congresso Nacional a regulamentação de pontos considerados obscuros na execução do Orçamento Impositivo, que estão criando incertezas e insegurança jurídica aos gestores públicos.

As propostas encaminhadas ontem preveem que o contingenciamento das emendas parlamentares será feito na mesma proporção aplicável às demais despesas primárias do Executivo, que os restos a pagar de despesas de exercícios anteriores estarão dentro do limite financeiro anual de cada órgão e que o Executivo poderá remanejar os recursos de despesas que não estão sendo executadas, por algum tipo de impedimento, para o pagamento de outras despesas.

Um dos dois projetos acaba com a chamada “emenda cachorro”, que permitiu ao relator-geral da proposta orçamentária deste ano chegar ao montante de R$ 30 bilhões em emendas. O mecanismo consiste no seguinte: o relator corta uma programação incluída pelo governo na proposta orçamentária original e a recoloca como emenda sua, aumentando a dotação. Com isso, o relator fica com a prerrogativa de indicar os beneficiários de toda a dotação e definir a prioridade de sua execução.

O mecanismo é chamado de “emenda cachorro” pela área técnica porque é como se um cachorro estivesse mordendo o próprio rabo. O parlamentar se apropria de uma programação original do Executivo, faz um pequeno acréscimo, e passa a ser o gestor de toda a dotação.

Com a mudança na LDO proposta pelo governo, o relator-geral só poderá indicar os beneficiários e a ordem de prioridade para o montante que foi acrescido na programação original encaminhada pelo Executivo.

Ou seja, só da dotação nova. A aprovação desse projeto dará base legal ao acordo fechado com as lideranças partidárias para que o veto do presidente Jair Bolsonaro à LDO não seja derrubado pelo Congresso.

Na expectativa de que essa alteração da LDO será aprovada, o governo encaminhou ao Congresso outro projeto de lei, mudando a lei orçamentária deste ano (Lei 13.978/2020). Se o projeto for aprovado, as mudanças feitas pelo relator nas programações originais do Executivo deixam de ser emendas dele ao Orçamento.

As emendas do relator ficarão restritas aos acréscimos feitos à programação orçamentária original. A avaliação da área técnica é que com as alterações propostas pelo governo, o montante das emendas do relator será reduzido de R$ 30 bilhões para R$ 15 bilhões. O Executivo voltaria, portanto, a gerir, de acordo com os seus critérios, R$ 15 bilhões.

Um dos dois projetos que alteram a LDO válida para este ano acaba com a meta fiscal para todo o setor público, como antecipou o Valor. Os Estados e municípios também não terão mais meta de resultado primário, mas apenas uma projeção. A meta fiscal para setor público passa a ter por referência o resultado primário definido para o governo federal e para as empresas estatais federais.

Se o projeto de lei for aprovado, a projeção para o déficit primário do setor público consolidado neste ano será de R$ 127,9 bilhões. Na LDO em vigor, a meta fiscal para o setor público consolidado é de déficit primário de R$ 118,9 bilhões, com uma meta de superávit primário de R$ 9 bilhões para Estados e municípios.

Em defesa da mudança, o governo argumentou que, com relação ao resultado fiscal de Estados e municípios, só controla o limite das operações de crédito. Mas que não tem nenhuma interferência sobre as receitas e despesas dessas unidades da federação e que, desta forma, não têm como garantir uma meta de resultado primário para elas. O governo garantiu, no entanto, que a mudança não resultará em relaxamento da disciplina fiscal, pois continuará controlando rigorosamente o endividamento destes entes da federação.