Valor Econômico, n.
4952, 04/03/2020. Especial, p. A16
Toffoli mira plano para
empresa em recuperação
Fernando Exman
Isadora Peron
Luísa Martins
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, começará
ainda neste mês a analisar propostas para recuperar as empresas que fecharam
acordo de leniência e enfrentam dificuldades financeiras. Defendida por
Toffoli, a ideia em discussão é que as empreiteiras possam pagar suas dívidas
com a União concluindo obras paralisadas de infraestrutura, como estradas e
creches, disse ele em entrevista ao Valor.
O plano vem sendo
estruturado por um grupo de autoridades do Tribunal de Contas da União
(TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União
(AGU). A Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Ministério da Infraestrutura
também participam da discussão. No Judiciário, o órgão à frente das negociações
é o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), comandado por Toffoli.
Segundo o presidente do
STF, o advogado-geral da União, André Mendonça, e o ministro do Tribunal de
Contas da União Bruno Dantas se comprometeram a apresentar um modelo de
implementação da proposta depois do feriado de carnaval.
“Uma empresa que entrou
na leniência tem que pagar uma devolução.
Ela pode pagar em obras.
Então, você tem um levantamento, de um lado, de obras paradas. E você coloca a
empresa para operar ali. Ela não perde os empregos, não perde o ‘know-how’ que
tem e paga a dívida com a União com a finalização de obras paradas”, explicou
Toffoli.
A proposta, porém,
enfrenta alguns obstáculos. Um deles é o debate sobre como o Estado selecionará
uma empresa para concluir determinada obra, já que hoje esse tipo de processo
exige a realização de uma licitação e o respeito ao princípio constitucional da
impessoalidade. “Estamos estudando se vai precisar ter alteração normativa
ou se só um convênio entre todas as instituições resolve isso”, disse Toffoli.
Em outra frente, o grupo
também pretende uniformizar os procedimentos para a assinatura de acordos de
leniência. Ou seja, a criação de uma espécie de balcão único de negociações
para dar mais segurança jurídica aos acordos - uma demanda antiga dos envolvidos
nessas tratativas.
“A AGU está fechando uma
proposta, envolvendo também o Congresso, para que se faça um acordo de
leniência que seja transversal entre todas as instituições”, disse Toffoli.
O presidente do STF
citou um exemplo. Atualmente, o que acontece é que uma empresa fecha um acordo
de leniência com os procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato em
Curitiba, mas o TCU entende que os parâmetros não são suficientes. Como
resultado, as negociações travam. “Então, qual é a ideia? Envolver todos os atores
e fazer um acordo que seja homologado judicialmente no STJ [Superior
Tribunal de Justiça]”, explicou.
De acordo com o
ministro, é importante que a instância competente para julgar os acordos de
leniência seja o STJ para evitar “quatro instâncias” recursais. “Você iria para
o STJ e do STJ caberia recurso ao Supremo, então você teria duas
instâncias. ”
Toffoli também disse
esperar que o próximo presidente do STF, ministro Luiz Fux, dê continuidade ao
programa Destrava, o qual tem como objetivo retomar obras paralisadas. O
projeto-piloto foi lançado mês passado em Goiás. “São programas que envolvem
várias instituições, então o natural é que se tenha a continuidade desses
trabalhos.
Segundo dados do CNJ,
hoje cerca de 14 mil obras estão paradas no Brasil - um investimento que
ultrapassa a marca de R$ 144 bilhões. No entanto, o levantamento mostrou que
apenas 6% das paralisações foram causadas por decisões judiciais. “Isso nos
surpreendeu. Achávamos que era um percentual maior”, reconheceu o presidente
do STF.
Segundo o ministro, o
maior problema são “projetos malfeitos na origem” e obras em que há denúncia da
licitação em uma gestão e o novo gestor não quer tocar o empreendimento, para
não ter problemas com a Justiça.
“O programa reúne todas
as instituições, chega a um acordo e você dá tranquilidade ao gestor, o
coordenador de despesa, poder tocar aquilo sem medo de depois pagar o preço de
algo que tenha sido feito por outro gestor. ”
O presidente do STF
também afirmou ter sido mal interpretado quando afirmou, em uma entrevista no
ano passado, que a Operação Lava-Jato “destruiu empresas”. “A Lava-Jato
foi importante, só que a nossa legislação não foi suficiente no que diz
respeito às pessoas jurídicas. Se em relação às pessoas físicas a colaboração
premiada funcionou, em relação às pessoas jurídicas ela não funcionou e precisa
ser aperfeiçoada”, concluiu Toffoli.